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A Morte de Sócrates

Foto do escritor: Bruno PhilippeBruno Philippe

Atualizado: 19 de out. de 2024


 

INTRODUÇÃO SOBRE A MORTE DE SÓCRATES

Poucos acontecimentos foram tão expressivos na história da filosofia quanto a morte de Sócrates


Por ocasião de sua defesa perante os acusadores e juízes de Atenas – especificamente Lícon, Ânito, e o principal interlocutor de Sócrates no discurso da Apologia, Meleto – Sócrates proferiu um vaticínio onde alertava os atenienses de que sua condenação – justa ou injusta – traria o mal a eles e não ao filósofo. E ele estava certo! Sócrates e suas palavras foram eternizadas nas páginas da filosofia após seu final fatídico, enquanto seus algozes ficaram fadados pelos séculos a lidar com o fardo de que suas ações levaram ao alvorecer da filosofia pela qual acreditavam que os jovens seriam “corrompidos”; efeito contrário do que pretendiam. 

“Aqueles que me condenarem farão mais mal a si mesmos do que a mim”.

Há quatro principais fontes de onde tomamos conhecimento dos fatos que antecederam sua morte e também os que o sucederam além da Apologia escrita por Xenofonte, os diálogos escritos por Platão.


Antes da morte de Sócrates, cronologicamente:

1Eutífron – Diálogo onde Sócrates menciona que tomou conhecimento da acusação movida sobretudo por Meleto logo no início, embora o diálogo propriamente trate do tema da piedade (religião). 

2. A Apologia de Sócrates – Texto célebre onde Sócrates apresenta sua defesa perante os acusadores, e onde também é proferida a sentença contra o mesmo. Este texto é marcado por ser inerentemente um monólogo de Sócrates a despeito dos demais textos que são narrados em forma de diálogos entre o filósofo e interlocutores.

3. Críton – Neste diálogo, comumente chamado também de Do Dever, Críton apresenta um plano para Sócrates – já preso e aguardando sua execução – escapar da pena, ao que o filósofo argumenta como tal prática seria uma injustiça com as leis da cidade que acolheram-no durante toda sua vida. Críton se impressiona com a serenidade de Sócrates em face da morte.


Após sua morte:

4. Fédon – Temos aqui, como apontado por especialistas, não mais um diálogo socrático, mas sim evidentemente platônico – onde Sócrates serve apenas como um personagem. Ainda assim, é descrito pela boca de Fédon as circunstâncias da execução de Sócrates e os momentos finais de seu desfecho antes de Sócrates começar seu último diálogo filosófico.


CIRCUNSTÂNCIAS DE SUA MORTE

Sócrates era conhecido por suas conversações no Liceu e em praças públicas com grandes figuras intelectuais de Atenas – ocasião em que através da dialética, expunha as incongruências em seus argumentos. Este fato conferiu fama a Sócrates, especialmente entre os mais jovens que passaram a ver em Sócrates uma espécie de mestre.

Nomeadamente este fato despertou a cólera de seus detratores. Sócrates passou a inquirir e buscar a sabedoria entre aqueles que arrogavam aos quatro ventos serem os detentores de tal dádiva. 


Um a um, Sócrates aniquilava a altivez de poetas, artífices e oradores através de seu famoso método maiêutico. Especificamente, é mencionado que Meleto tomou as dores dos poetas, Lícon dos artífices e Ânito dos oradores.  Desta feita, uma ação pública foi movida contra Sócrates por Meleto, acusando-o de dois crimes:


  • Irreligião e corrupção dos jovens.

Meleto acreditava que Sócrates cria em outros deuses que não os do Estado, porém em outro momento, contradizendo-se, acusa Sócrates de ateísmo por ensinar doutrinas cosmológicas que postulavam que o sol é uma pedra e a lua, terra – indo contra as crenças da cidade que afirmavam tratar-se de divindades. E ao ensinar isto aos jovens, corrompia-os.


Sócrates se defende trazendo o discurso de autoridade de que esses postulados foram defendidos primeiramente por Anaxágoras de Clazômenas, notório pensador da época. Ele ainda argumenta de que acredita no dáimon – divindade não-olímpica e sem nome – da qual ele dizia ouvir a voz que o incitava a buscar sabedoria, argumentando também que não é possível crer no dáimon sem acreditar em sua divindade, consequentemente não sendo possível o não crer nos deuses, entre outros argumentos.


O texto da Apologia de Sócrates é com certeza a maior fonte de informações deste episódio da vida do filósofo, sendo também magistral os discursos de Sócrates sobre suas condutas e defesas. Aqui são descritos os fundamentos utilizados por seus acusadores, que segundo o próprio Sócrates, já o depreciavam perante os atenienses há tempos, também as circunstâncias e causas, além da defesa do filósofo, onde uma vez mais, expôs as incongruências de seus opositores.


A execução do filósofo se deu por ingestão de um cálice venenoso de Cicuta. Nas últimas páginas do diálogo Fédon é descrito a emocionante cena dos momentos finais de Sócrates; após beber o cálice derradeiro com serenidade, os amigos foram tomados de forte comoção e se puseram a chorar, ao que Sócrates repreendeu:

“A mim foi dito que se deve morrer em silêncio. Portanto, conservai-vos em silêncio e sede corajosos”.

Após andar um pouco mais, sentiu as pernas pesadas, deitou de costas e em instantes expirou. 


Esta cena foi eternizada pela tinta do francês Jacques-Louis David (1787) no quadro intitulado “A Morte de Sócrates”.




TEMAS FILOSÓFICOS EM TORNO DA MORTE DE SÓCRATES E ALGUMAS IMPLICAÇÕES

Conforme mencionado acima, são quatros os diálogos que estão em torno do tema da morte de Sócrates – Eutífron, A Apologia, Críton e Fédon, respectivamente. Como corolário do fatídico evento, podemos elencar alguns tópicos filosóficos que são tratados nestes diálogos cujo o nexo se liga a circunstância ora da acusação contra o filósofo, ora por motivo de sua execução:


  1. O que é a piedade (religiosidade);

    • A conduta virtuosa diante do público;

    • A coerência ou o dever;

    • A morte;

    • A razão e o corpo;

    • A imortalidade da alma;

    • A harmonia;


E ainda muitos outros temas poderiam ser elencados. Podemos estabelecer os nexos dos discursos filosóficos resumidamente desta forma:


  • Em Eutífron, Sócrates encontra seu interlocutor no pórtico do rei – onde está verificando a acusação movida contra o mesmo – e inicia um diálogo com Eutífron, que por sua vez, tinha a pretensão de mover uma ação contra o seu pai. Sócrates questiona a legitimidade de tal ação e o tema da piedade ou religião é posto em xeque.

  • Na Apologia, como já explanado aqui, Sócrates apresenta sua defesa contra os acusadores. Neste monólogo, o filósofo discorre sobre seu propósito de vida – a busca pela sabedoria – e os acontecimentos que o levaram a este fim.

  • No Críton, Sócrates se encontra dormindo em sua cela – após os acontecimentos de A Apologia – esperando sua sentença que foi atrasada por conta de uma cerimônia religiosa. Ele recebe então seu amigo Críton que arquiteta um plano para Sócrates deixar a cela, ao passo que o filósofo diz que somente deixará a cela se for convencido de que esta é uma ação racional e justa. É colocado em xeque temas como o Estado e as leis, além dos deveres.

  • Em Fédon, é narrada uma conversa sobre Sócrates, Símias e Cebes. Este diálogo – inerentemente platônico – é especialmente recheado de temas filosóficos como a imortalidade da alma, a reminiscência, a harmonia, dentre outros. O diálogo situa Sócrates nos momentos finais de sua vida antes de tomar o cálice de cicuta.


Quaisquer que fossem as ressalvas que Platão sabidamente tinha em relação ao discurso escrito – tópicos mormente pontuados no Fedro e Teeteto -, provavelmente viu nas conversações de Sócrates a necessidade de romper com tais ressalvas e imortalizar em forma de discurso dramático a dialética afiada que Sócrates lançava sobre temas filosóficos como os mencionados acima. 


Sua morte, mutatis mutandis, ainda segue como um exemplo de abnegação de uma pseudo-intelectualidade vazia e que despreza a condição sine qua non para a obtenção da verdadeira sabedoria: reconhecer em si mesmo aquilo que não se sabe, tendo a real percepção sobre si mesmo.


Sócrates menciona que, assim como Aquiles que preferiu uma vida curta mas virtuosa, em detrimento de uma vida longa porém ignóbil, não devemos nos importar com onde as ações podem levar – se aos aplausos ou a morte – mas sim, se procedemos justamente ou não diante dos fatos


Esses ensinamentos inspiraram Platão, Xenofonte, Diógenes e milhares de pessoas até os dias de hoje.

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