![A Oração do Filósofo](https://static.wixstatic.com/media/6aab26_d1bcaa63e47b4a4bb40810c4e1f3fb52~mv2.webp/v1/fill/w_980,h_470,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/6aab26_d1bcaa63e47b4a4bb40810c4e1f3fb52~mv2.webp)
A Oração do filósofo
A relevância de Sócrates para a história, não apenas da Filosofia, é monumental. Muito além de ser o propulsor da Arte filosófica, ele é a sintetização do Sábio, que unia em si o conhecimento teórico e a vida prática virtuosa, como se verá na oração do filósofo. Por isso Platão, em quase toda sua obra, usa Sócrates, seu grande mestre, como uma espécie de boneco de ventrículo, para expressar suas próprias convicções e reflexões. Por conseguinte, muitas das vezes se torna demasiadamente complexo, ou quase impossível, distinguir o pensamento de Platão nas falas de Sócrates. Situação que ocorre no diálogo Fedro, ou Do Belo, em que Platão claramente expõe diversas das suas convicções pela boca de Sócrates, no entanto, ainda é a essência do seu mestre que Platão apresenta. Diante disso, não se busca diferenciar o pensamento platônico do socrático em tal artigo, apenas refletir e analisar sobre um trecho muito específico, ao final do diálogo, em que Sócrates realiza uma oração, e é justamente nesta oração do filósofo que é possível tirar lições para vida intelectual verdadeira.
A Oração
A oração do filósofo é dividida em quatro pedidos, e cada um deles traz lições profundas sobre a vida intelectual, sobretudo concernente à busca da sabedoria, que reflete em uma vida virtuosa. A oração diz o seguinte:
“Ó caro Pan e todos vós demais deuses deste lugar, conceda-me que me torne nobre e bom interiormente, e que todos os meus bens exteriores estejam em amigável harmonia com o que é interior. Que eu possa considerar o homem sábio, rico. E quanto ao ouro, que possa ter eu dele somente a quantidade que alguém moderado é capaz de suportar ou portar consigo” (Fedro, 279C, Editora Edipro, Diálogos III – Socráticos)
Como é possível observar, Sócrates realiza quatro pedidos ao deus, primeiro; ser nobre e bom interiormente, segundo; que seu exterior condiga com o seu interior, terceiro, considerar o sábio como rico, e quarto; ter a quantidade adequada de “ouro”. Cada um desses pedidos representa parcelas importantes do pensamento socrático (e platônico), que como já foi mencionado, é o sintetizador do sábio. Portanto, cabe analisar tal porção do diálogo a fim de absorver as virtudes que Sócrates pretende expor.
O Primeiro pedido da oração do filósofo
O primeiro pedido da oração do filósofo diz o seguinte: “conceda-me que me torne nobre e bom interiormente”, em outra versão diz: “concedei-me a beleza interior”. Inicialmente é fundamental compreender a amplitude e a importância que a beleza possuía para o grego.
Ela tinha a função de inclinar/atrair o homem para o Bem e a Verdade, ou seja, o tripé grego para a realização plena da essência do homem – Aretê. É possível observar a importância do assunto em diversos aspectos da cultura grega, seu fomento à arte; escultura, pintura, teatro, a própria motivação do início da Guerra de Troia foi a beleza de Helena. Diante disso, o pedido de Sócrates se apresenta como uma necessidade de interiormente se dedicar ao que é essencialmente verdadeiro, ou seja, ao que verdadeiramente é importante, não se distraindo com possíveis acidentes, mas se dedicando inteiramente ao que conduz à Verdade. Para isso, os olhos em que se vê o mundo devem ser purificados e educados para buscar o Belo. Qualquer tipo de ação exterior pressupõem uma ordenação interior, portanto, iniciar com o Belo é uma declaração de busca pela verdade. Conclui-se portanto que, para a conquista da Aretê, ou seja, a plena realização da essência do homem, o seu interior deve desejar o Bem e a Beleza, que o conduzirá à Verdade. Platão (pela boca de Sócrates) apresenta o ponto de partida da busca pela Verdade suprema, um interior, uma mente e um coração inclinado ao Belo. Não deixando de compreender e lembrar a amplitude desse termo para o grego.
O Segundo pedido de oração do filósofo
Prosseguindo na oração, Sócrates pede o seguinte: “que todos os meus bens exteriores estejam em amigável harmonia com o que é interior”. Fica evidente que o segundo pedido é uma complementação inevitável do anterior. Pois, se em seu interior a busca do Belo e do Bem são nortes, o seu exterior será um reflexo dessa busca. Ele nada mais está fazendo, senão pedir o afastamento da possível hipocrisia, em que não há concordância entre o interior e sua vida prática. Sócrates não menospreza o corpo, ou seja, o exterior, apenas ordena hierarquicamente, o colocando abaixo do interior, ou seja, da alma. Esse pedido é um grande alerta para a sociedade atual, em que o exterior está sempre acima do interior, a aparência é mais importante do que a coisa em si. Mostrar ser alguém ou ter algo é a representação do que é o mundo das redes sociais, uma realidade de aparências, em que o exterior nada tem de harmonia com o interior. Portanto, a concordância entre o interior e o exterior deve ser a intenção, o exterior deve ser um reflexo da busca interna pelo Belo e sujeitar-se a ele. Se deseja “aumentar” os bens exteriores, ou seja, aquilo que você tem, lembre-se de concomitantemente aumentar aquilo que você é.
O Terceiro pedido de oração do filósofo
Em sua terceira súplica, Sócrates pede para: “considerar o homem sábio, rico”. Depois de falar sobre o interior e o exterior, Sócrates comenta nos dois próximos pedidos sobre as riquezas. Em praticamente todas as culturas, e na grega não era diferente, a riqueza é buscada com afinco. E muitas das vezes, o que foi comentado no segundo pedido acontece. Uma tendência de apresentar uma aparência exterior que não condiz com o interior. Sócrates busca combater esse pensamento. A vida de Sócrates foi um reflexo desse ideal, por exemplo, Platão nos informa na Apologia, ele era muito pobre, e o motivo era a vida que levava, onde buscava a sabedoria e não as riquezas. Em certo momento, em seu julgamento, ele questiona os homens de Atenas, responsáveis por serem seus juízes em seu caso:
“…não te sentes envergonhados por te preocupares com a aquisição de riqueza, reputação e honras, enquanto não te importas e nem atentas para a sabedoria, a verdade e o aperfeiçoamento de tua alma?” (Apologia de Sócrates, 29D)
Esse questionamento de Sócrates deve servir de autoavaliação. Se ambos os pedidos anteriores estão sendo aplicados, a busca das riquezas não preocupará o amante da sabedoria. Como já mencionado, vivemos em uma sociedade de aparência, e deve-se observar e se atentar para não estar buscando referências e exemplos em pessoas que se dedicam ao exterior e não no aperfeiçoamento da alma. O homem verdadeiramente rico é aquele que possui a correta ordenação hierárquica interior e que com isso, busca a sabedoria, cumprindo assim seu propósito maior, sua Aretê, e é esse homem que deve ser considerado rico
O Quarto pedido de oração do filósofo
Por fim, o último pedido de oração do filósofo diz: “quanto ao ouro, que possa ter eu dele somente a quantidade que alguém moderado é capaz de suportar ou portar consigo”. Aparentemente Sócrates está suplicando por riqueza, pelo menos o necessário para viver.
No entanto, tal pedido não encontra respaldo na filosofia socrática, e menos ainda na própria oração. O que efetivamente Sócrates pede é pela verdadeira riqueza, ou seja, a sabedoria. Assim como no terceiro pedido é solicitado considerar o homem sábio, rico, aqui ele também faz sua analogia da sabedoria com a riqueza. Na realidade, o filósofo está dizendo aos deuses que lhe dê o máximo de sabedoria que um homem é capaz de portar contigo. Esse ouro da sabedoria é o que irá complementar os pedidos anteriores, da harmonia entre o interior, que busca o Belo, e o exterior, que não vive de aparência, e a capacidade de enxergar na sabedoria, ou no sábio, a verdadeira riqueza. No entanto, Sócrates, sábio como era, não se esquece da virtude da temperança, quando se lembra da moderação. Ele compreende a limitação humana de conhecimento da verdade, principalmente Platão com suas investidas no mundo suprassensível e sua teoria do conhecimento. Por isso, ele pede temperança, ou seja, que possa obter o máximo que é permitido e possível ao homem.
Conclusão
Diante disso, é possível observar o caminho para uma vida virtuosa, a oração do filósofo conduz ao exame de si mesmo e a valorização do que realmente importa, a busca da Verdade. Para isso, deve-se despojar-se de certos comportamentos viciosos e revestir-se de virtudes. Esse é um chamado para quem busca essa vida virtuosa, que é atraído pela Beleza, que busca o Bem e ama a Verdade. Sócrates nos conduz pelo caminho da sabedoria, lembrando do cuidado com o interior, de exame próprio em busca da virtude, posteriormente, um exame exterior, observando se condiz com o interior, além disso, com relação à riqueza, aprender a considerar rico o sábio, o virtuoso, e buscar, com temperança, o máximo do ouro da sabedoria.
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