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A Vida Intelectual
O chamado, ou vocação, para a vida intelectual pode ser uma incógnita. O que é a Vida Intelectual? Como desenvolvê-la? Como se manter constante? Todas essas questões podem permear a mente de alguém que está adentrando inicialmente à vida dos estudos. São indagações justas e que merecem ser, talvez não respondidas, mas, refletidas.
Para iniciar, talvez o principal nome mencionado para introduzir o tema da vida intelectual seja o do padre dominicano, neotomista, A.D. Sertillanges. Não sem mérito, a sua obra é um norte imprescindível para compreender o que é a vida intelectual. Escrevendo no início do século XX, talvez um dos períodos mais conturbados dos últimos séculos, o autor se propõe a desenvolver conselhos, baseados nos 16 conselhos de Tomás de Aquino para os jovens que adentram à vida intelectual, principalmente dentro do monastério. Com o objetivo de incentivar e orientar a vida intelectual, ele desenvolve os diversos aspectos que a rodeiam, dando conselhos, sugestões e direcionamentos para o desenvolvimento da vocação intelectual.
O que é a Vida Intelectual?
A fim de responder ao primeiro questionamento – O que é a vida intelectual? – Sertillanges nos diz que o intelectual é um vocacionado. Esse termo pode trazer duas conotações distintas. Inicialmente, para um cristão, é como se o próprio Criador o tivesse escolhido para isso, ele foi pinçado para se dedicar à Verdade, ou seja, ao próprio Deus. Já em uma conotação secular, a vocação traz um conceito de dons, talentos e/ou habilidades que cada indivíduo tem consigo. Portanto, existe uma inclinação, um chamado, uma predisposição natural que nos conduz a buscar o conhecimento, mas, como irá demonstrar o autor, esse chamado, quando intelectual, é uma consagração, como o amante é atraído pelo amado, como nos diz Sócrates. Conclui-se que a Vocação Intelectual é um chamado irresistível para a busca da Verdade, em que somos impelidos ao conhecimento, como parte essencial de nós. Como é possível ver na vida (e morte) de Sócrates, que preferiu entregar sua vida ao negar seu chamado (vocação) a amar a sabedoria (Filosofia):
“Homens de Atenas, contais com meu respeito e minha amizade, mas acatarei ao deus, de preferência a vós, e por quanto durar minha existência e for capaz de prosseguir, jamais renunciarei à filosofia…” (Apologia de Sócrates, 29D)
Em Sócrates, a Vida Intelectual é sintetizada, ele é o grande exemplo, na realidade, a vida (e morte) de Sócrates foi a representação da sua honestidade intelectual. Sertillanges nos diz também que o Intelectual é alguém do seu tempo, ou seja, deve estar atento às demandas de sua época, não deve ser alheio ao seu mundo. É exatamente essa tensão que envolve o Intelectual, entre o seu tempo e a História. Ele não se sente pertencente ao seu tempo, pois sua vida, como nos diz o grande professor Mortimer Adler, é uma constante comunicação com os grandes homens da humanidade. Mas, ao ser colocado por Deus, ou pelo destino, como preferir, em um determinado tempo-espaço, ele é responsável por se conectar a ele, não apenas isso, mas principalmente, por conectá-lo à grande conversação, para citar Adler, a fim de responder os seus dilemas (do seu tempo).
Portanto, a Vida Intelectual é uma vocação, é um chamado, não necessariamente místico ou religioso, mas uma inclinação à Verdade, uma inquietação constante com a realidade e com o raso, superficial. É a busca por algo maior, que seja maior que si mesmo, mas, concomitantemente, seja aquilo que te conforta, que te completa, que satisfaça a sua alma.
“A educação é o desdobramento da alma” – A.D. Sertillanges
Como desenvolvê-la?
Após o impacto inicial, nos deparamos com a realidade. E então, o que fazer? Como fazer? Quando fazer? Todos esses questionamentos são válidos. E para respondê-los, muito além das dicas e recomendações práticas, Sertillanges nos conduz a uma reflexão mais ampla. Ele nos diz que a vida intelectual não é construída lendo livros, ou nos momentos de estudo. Não são momentos que a constrói, mas sim uma vida. O intelectual é aquele que olha ao seu redor e se questiona constantemente, não se vê por satisfeito em respostas superficiais, possui uma constante inquietação. E é nesse momento que nosso autor apresenta a resposta para esse desassossego, a Vida Intelectual é uma mudança de lente. É olhar para o mundo em busca de respostas, é a busca do Belo, do Bom e da Verdade.
De modo prático, a vida intelectual é fazer tudo de maneira refletida, pois uma vida irrefletida não merece ser vivida, já nos dizia Sócrates. Nas conversas, ele busca a Verdade, busca absorver a verdade no outro, na leitura, se dedica ao máximo em extrair a Verdade dos grandes autores, nos relacionamentos, cultiva amizades virtuosas, não desperdiça seu tempo com futilidades, mas é um amante do saber, é atraído pelo Belo, é conduzido a boa música, é interessado nos bons filmes, empenha-se em construir relacionamentos elevados, enxerga o que os outros ignoram. Mas o mais importante, tem sempre consciência da sua pequenez diante do universo que o cerca, portanto, nunca se ensoberbece, mas busca se manter humilde diante do conhecimento.
Como ser constante?
O início constantemente é intenso, a dedicação às leituras, as horas de estudos, a compra desenfreada de livros… Tudo aparenta estar ocorrendo como o planejado. No entanto, o tempo vem, e com ele, as distrações, o desânimo, a preguiça, a inconstância. A última pergunta que pretendo responder é talvez a mais importante, como se manter constante? Primeiramente, é preciso retornar ao chamado inicial, que nosso autor denomina vocação. Esse chamado não é temporal, ele é eterno. Não se dissipa com o tempo. Lembre-se, o intelectual é um consagrado, um separado, ele foi chamado, vocacionado para isso. Portanto, para se manter firme, é necessário o desenvolvimento de algumas virtudes essenciais ao intelectual, dentre tantas, a virtude da ordem deve ser sempre o ponto de partida.
Como nos diz Francisco José de Almeida, em seu pequeno livro A Virtude da Ordem, ela (a ordem) é a base, o fundamento que mantém o edifício em pé. Ela é o nosso guia para os objetivos. Diz ainda, “ela é a busca pela vida virtuosa”. Como já vimos anteriormente na vida de Sócrates,o cultivo da virtude é o caminho da sabedoria, e esse é o fim último do sábio. Portanto, o desenvolvimento da virtude da ordem, através da disciplina, é a primeira responsabilidade do intelectual em sua vida de estudos, ela será o seu alicerce, seu fundamento. A constância é o que nos conduz no caminho da Vida Intelectual.
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