![Alcibíades sendo ensinado por Sócrates, 1776. François André Vincent](https://static.wixstatic.com/media/6aab26_489fff977d604f0293a0e3d6f0c79381~mv2.png/v1/fill/w_980,h_413,al_c,q_90,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/6aab26_489fff977d604f0293a0e3d6f0c79381~mv2.png)
Educação é apresentar os melhores exemplos
São variadas as definições de educação, mas uma que parece ser consistente é a de que a Educação é apresentar os melhores exemplos. Essa concepção pode não ser tão atual quanto as teorias pedagógicas modernas como Construtivismo, Behaviorista ou Montessoriana. No entanto, ela tem ao seu lado a história. Pensando na perspectiva de tempo, educar através dos melhores exemplos é o modo mais estudado e aplicado.
Entender como o exemplo pode auxiliar na formação será o primeiro passo da construção do pensamento desse texto. Depois, analisaremos a diferença, se há, entre exemplos vivos e exemplos mortos, qual o melhor? Como utilizar cada um deles? Posteriormente, pensando no embasamento histórico-cultural, apresentaremos duas culturas que utilizaram (uma ainda utiliza) a educação pelo melhores exemplos. A primeira, a sociedade grega, uma das que mais utilizou essa ferramenta para formação social. Já a segunda, a tradição cristã, que também propõe a formação por essa perspectiva.
Como o exemplo influencia a formação
Algo que Aristóteles deixa muito claro é que a criança é um ser mimético, ou seja, ela imita. É da sua natureza imitar. Quem já conviveu com crianças pequenas em processo de formação percebe com facilidade como elas absorvem, de maneira natural, os comportamentos, falar e características das pessoas com quem convive. Inclusive, parece ter uma tendência a mimetizar características negativas com muito mais facilidade, como agredir ou falar palavrões. No entanto, essa é uma discussão para outro texto.
O fato é que a criança imita. E as características assimiladas nessa imitação passam a fazer parte da formação desse indivíduo. Todos já ouviram a expressão que as “más companhias corrompem os bons costumes”, ou ainda o provérbio que diz “diga-me com quem andas que te direi quem és”. Portanto, é senso comum o poder da influência na formação da personalidade, e isso não é (e nem poderia ser) diferente na educação.
Dito isso, uma das principais estratégias da educação parece ser apresentar bons exemplos para a criança, contribuindo para que ao imitá-los ela também reproduza as virtudes que lhe foram demonstradas. No entanto, uma atenção deve ser também alertada, pois diretamente proporcional (ou talvez até maior) será a assimilação de maus exemplos. O que deve ser motivo de atenção e monitoramento dos responsáveis pela educação e formação infantil.
Pensando nisso e no modelo de educação vigente mais comum, ou seja, a escola, é matéria para reflexão o fato de mantermos, por horas a fio, cerca de 200 dias por ano, crianças convivendo com outras crianças, de mesma idade e em processo de formação equiparadas. Ou seja, elas naturalmente passarão a se imitar, tendo como exemplos elas mesmas, o que convenhamos, pode ser perigoso.
Dado o alerta, voltemos a pensar na escolha dos exemplos, que deve ser de caríssima atenção, pois irão moldar a personalidade daquele que é influenciado. Isso posto, não deixar a influência do indivíduo em formação (repare bem que isso não diz respeito exclusivamente às crianças, mas a “indivíduos em formação”, ou seja, qualquer ser humano) à deriva é fundamental para uma boa formação. Como então selecionar esses melhores exemplos?
![A Educação de Aquiles pelo Centauro Quíron](https://static.wixstatic.com/media/6aab26_062c1209030244ff91704512e2134ae4~mv2.webp/v1/fill/w_980,h_1239,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/6aab26_062c1209030244ff91704512e2134ae4~mv2.webp)
Educação por exemplos vivos ou mortos?
Adentrando na reflexão sobre a seleção dos exemplos, uma das primeiras indagações deve ser sobre a natureza do indivíduo exemplar. Educar por exemplos de vivos ou de mortos? Essa questão pode ser abordada de diversas perspectivas, mas para uma análise honesta, apresentaremos a característica de ambos e, por fim, emitiremos a nossa opinião.
Primeiramente pensemos sobre a educação por exemplos mortos. Para auxiliar em nossa reflexão, trago a frase atribuída a Sir Isaac Newton “nanos gigantum humeris insidentes” (ou, “Se vi mais longe foi por estar sobre os ombros de gigantes”). Ou seja, estar apoiado nos grandes homens que foram exemplares, admiráveis em seu proceder e concluíram suas jornadas como virtuosos pode ser uma grande referência para a transmissão dessas virtudes.
Homens como Sócrates, Agostinho ou Tomás de Aquino (para não citar Jesus Cristo) atingiram uma posição que poucos alcançaram, e eles, em sua maioria, nos deixaram orientações, textos, ou a própria experiência de suas vidas, que podem ser uma poderosa ferramenta para educação, tanto de si, como das próximas gerações.
Negligenciar os grandes gênios da história é assumir a posição, desinteligente, de quem tem em suas mãos um tesouro mas prefere viver com um salário mínimo. Portanto, usar o exemplo dos mortos como grandes referências a serem imitadas, é iniciar a jornada em um patamar mais elevado do que se construído com nossas próprias pernas.
Por outro lado, os mortos possuem certa limitação e abrangência, principalmente decorrente da barreira do tempo, podem contribuir em princípios, o que na maioria dos casos é mais do que suficiente. No entanto, alguns dilemas atuais parecem carecer de exemplos atuais, ou ainda, deve-se considerar o poder da convivência na influência da formação.
Pensar na educação por exemplos de vivos é refletir sobre como a admiração daquele que aprende, seja consciente ou não, é uma ferramenta importantíssima na formação da personalidade. Portanto, para se educar por admiração, que é um dos processos pedagógicos mais naturais e efetivos possíveis, é necessário convivência.
Há um termo, que pode ser pouco conhecido, no entanto ele parece se encaixar com maestria na situação em que estamos discutindo. “Transmitir humanidade”, ou seja, a essência do ser de alguém sendo transferido a outro, aquilo que o caracteriza como humano, aquilo que tem de mais valioso e único, sendo transmitido a outro ser humano, obviamente, por muita convivência e admiração.
Pode-se pensar no exemplo de Platão, que assim como seu mestre Sócrates, tinha seus alunos próximos, para quem transmitia seus ensinamentos mais íntimos (ensinos esotéricos), que dizia ele, não poderem ser escritos, não por incapacidade, mas por não provocarem o mesmo efeito, apenas a convivência com ele, Platão, poderia possibilitar a transmissão da sua humanidade, assim como Sócrates o transmitiu (inclusive, é sempre bom lembrar que Sócrates nada escreveu, muito por acreditar que o conhecimento se transmitia pelo diálogo, o que pressupõe convivência, e não por livros).
Portanto, analisando as características da educação por exemplos de vivos e de mortos, pode-se concluir que para uma formação completa deve-se usar da ferramenta de ambos. Tanto ser um exemplo admirável ante o discípulo, buscando com a convivência a transmissão de humanidade e buscar na literatura e na história exemplos de grandes homens que fizeram das virtudes a sua regra de fé e prática.
Como o grego educava pelos melhores exemplos?
Pensando em tradição educacional, não pode-se negar que a Grécia, principalmente, mas não exclusivamente, Atenas, teve importância ímpar no desenvolvimento de pedagogias e métodos que objetivavam a formação da criança, e do adulto, mas completa possível, com vistas à manutenção da própria Pólis (cidade-Estado).
Como então os gregos educavam suas crianças? Eles utilizavam o método da apresentação dos melhores exemplos? Como era esse processo de formação? Eles utilizavam exemplos de vivos ou mortos? Como esses exemplos eram inseridos na educação e formação do jovem? Quais eram os objetivos? Buscaremos responder essas e tantas outras perguntas sobre a formação do indivíduo na Grécia antiga.
Primeiro, é preciso esclarecer e tomar por certo que a Grécia, pelo menos suas principais cidades, possuíam um ideal de educação, e não apenas isso, mas também um método, sistematizado, organizado e passado de geração em geração. Esse método remonta a Homero e seus escritos, cerca de 800 anos a.C..
Dado esse fato, podemos progredir para compreender o objetivo da educação grega, esse é formar um homem virtuoso, que dominasse tanto a arte da guerra quanto da oratória, tendo a honra de um cavaleiro e o conhecimento de um sábio. Corroborando com isso, duas obras são indispensáveis, primeiro a Paideia: A formação do homem grego de Werner Jaeger e a História da educação na antiguidade de Henri-Irénée Marrou.
Para tal, o método utilizado era o exemplo, diz Marrou “Tal é o segredo da pedagogia homérica: o exemplo heróico… o exemplo dos heróis frequentou a alma dos gregos” (pág 47). Fica evidente que a educação, inclusive de Sócrates, Platão e Aristóteles são, cerca de 400 anos depois, influenciados por esse método, Platão chama Homero de “o grande educador da Grécia”.
Homero, apresenta o herói como o arquétipo a ser seguido, imitado, admirado. Sua postura, suas qualidades, seus ideais. E com certeza, o principal e mais importante exemplo para o grego foi Aquiles. Ele unia em si as características do herói, honrado e corajoso que todo jovem deveria almejar.
No entanto, os exemplos não eram apenas positivos, o exemplo tem o objetivo de provocar a catarse, que nos explica Aristóteles é purificação dos sentimentos – ela nos faz refletir diante da vida de um personagem, providenciando um cenário controlado para refletirmos sobre temas como a morte, coragem, lealdade e outros que não estão tão distantes da literatura (para a ampliação do tema, conferir o texto “Por Que a Morte de Personagens Fictícios Nos Impacta Tanto?” ). Portanto, exemplos negativos serviam para o oposto dos positivos, ou seja, apresentar como não se deveria agir, falar, se portar.
Por fim, fica evidente que a educação pela apresentação dos melhores exemplos foi a principal maneira como os gregos educavam seus jovens. E evidentemente é indiscutível o ambiente cultural, artístico, político e social que essa educação produziu, uma das mais frutíferas sociedades da história.
A educação pelo exemplo na Tradição Cristã
Outra tradição pedagógica relevantíssima que utilizou (e ainda utiliza) a educação pelo exemplo é a tradição cristã. Pode-se pensar em vários períodos na história da educação, inclusive recentes, considerando a amplitude da abrangência da tradição cristã no mundo, que a ela foi relevante. Por exemplo, mais próximo da nossa era, a educação jesuítica foi fundamental no processo de colonização no mundo além-mar. A sua Ratio Studiorum foi uma sistematização consistente, testada e validada durante séculos.
No entanto, para análise do que nos propomos, iremos analisar apenas um período histórico para auxiliar na reflexão sobre o nosso tópico. O período em questão faz referência ao primeiro século, com o advento da vinda de Cristo como o principal marco histórico e um alvoroço consequente de sua morte (e ressurreição), mas também como isso foi transmitido aos seus discípulos e eles replicaram posteriormente.
Iniciaremos analisando como essa educação pelo exemplo era realizada. Cristo, como é sabido, tinha vários discípulos, ou seja, alunos. No entanto, o que deixamos muitas vezes passar despercebido é que a prática era muito comum na época, principalmente na cultura judaica.
O jovem, após passar pelo processo de instrução inicial, era orientado a seguir alguns caminhos possíveis, ou seguiria a profissão de seu pai, aprendendo com ele, como o caso do próprio Cristo, que aprendeu a profissão de marceneiro. Ou, ainda nesse caminho, seguir a profissão de outro profissional, por exemplo, se Cristo quisesse ser ferreiro, ele seria direcionado a um homem capaz e disposto a ensiná-lo como seu mestre.
O outro caminho, seria o acadêmico, o jovem que demonstrasse proficiência no conhecimento da Torá era direcionado para uma das escolas de estudos, como os fariseus e saduceus, e nessa escola era educado por um mestre nas sagradas letras, como por exemplo é o caso de Paulo, que foi instruído aos pés de Gamaliel.
No entanto, esse jovem poderia seguir um caminho menos ortodoxo, ou seja, se unir a uma “seita” que era muito respeitada pelo povo mas não muito admirada pelos “acadêmicos”, esses eram os essênios. Esse grupo também se dedicava ao estudo, cópia e ensino da Lei, mas viviam como errantes, no deserto, andando de cidade em cidade. Como era o caso de João, primo de Cristo, o Batista.
Todos esses casos o jovem era “depositado” aos pés de um mestre, com quem ele aprenderia, seja um ofício prático ou teórico/acadêmico. Por isso não é de se estranhar o procedimento de Jesus ao ter ao seu entorno vários (jovens) discípulos. Pois era claro para época que a educação se dava pelo exemplo, pela referência de um mestre mais sábio.
O que pode ser considerado uma curiosidade é que normalmente era o jovens que escolhia o seu mestre e passava a seguí-lo, para assim aprender com ele. Entretanto, com Jesus, o processo foi diferente, ele os escolheu e não o oposto, o que mostrava um propósito diferente do Senhor ao selecioná-los.
O sistema de educação pelo exemplo se consolidou na tradição cristã, inclusive o apóstolo Paulo ao se dirigir aos crentes de Corinto diz: “…sejam meus imitadores, como eu o sou de Cristo”, reforçando a importância e relevância de se imitar para o processo de formação. Inclusive, no caso, não exclusivo para crianças e jovens, mas para todos que desejassem aprender.
Educação é apresentar os melhores exemplos?
Finalmente, podemos concluir que na história (da educação) apresentar os melhores exemplos sempre foi uma das principais (se não a principal) ferramenta de formação, tanto de crianças como de jovens e adultos. Portanto, não deve ser negligenciada, muito menos deixada de lado, pelo contrário, quem realmente se importa com a educação deve se dedicar na formação pela apresentação dos melhores exemplos, seja de vivos, como admiração, seja de mortos, como inspiração.
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