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O tema da Providência no Hobbit
A providência pode significar diversas coisas, desde uma perspectiva de sorte, onde o beneficiado é agraciado pelo destino em situações específicas, ou várias delas, mas também pode significar um direcionamento/condução divina da vida de alguém ou de alguma situação específica. Um autor que abusou do uso dessa temática foi J.R.R.
Tolkien. Em toda a sua obra, esse é um tema metanarrativo, ou seja, que transpassa toda a obra. E isso não é diferente em O Hobbit, obra que pretendemos analisar sobre a luz do tema da providência.
Nosso caminho passará por uma breve análise do tema com relação ao autor, ou seja, o que significava a providência para Tolkien? Por qual motivo o tema é tão recorrente em sua obra? Como o autor apresenta o tema da previdência no Hobbit? Além dessas perguntas, buscaremos entrar na história de Bilbo Bolseiro, e entender sua trajetória, tão marcada pela interferência da providência. Principalmente na construção do personagem, desde o início até o fim de sua jornada. Após isso, apresentaremos como Gandalf representa um mediador da providência e qual a interpretação disso na obra de Tolkien.
O tema providência em Tolkien
J.R.R. Tolkien com certeza foi um dos mais prolíficos escritores do século passado, autor de vasta obra, se dedicou principalmente no estudo da literatura medieval e clássica. Era um apaixonado por histórias, principalmente por contos de fadas. Escreveu diversas obras para todo tipo de público, desde “Cartas do Papai Noel”, para crianças pequenas, até “O Silmaríllion”, obra extremamente densa e complexa. Mas em toda a sua obra, temas “cristãos” estão costurados nas histórias, tanto que gerou um paradoxo para compreender sua obra e entender a influência da religião em sua vida, e consequentemente, em sua escrita.
Para o autor, sua vida não pode ser desconectada da sua obra, ou seja, sua cosmovisão está conectada com sua obra no seu mais íntimo. Não que seu objetivo fosse apresentar o cristianismo através da sua literatura, como fez claramente seu grande amigo C.S. Lewis, mas sim expressar a si mesmo, dentro de uma liberdade poética própria do autor, que coincidentemente teve sua vida influenciada pelo cristianismo.
Portanto, para o nosso autor a providência é a mão do próprio Deus a tecer o destino dos homens, e consequentemente da história. E Ele o faz com as pessoas mais simples, como em nosso caso, com o pequeno e “insignificante” Bilbo Bolseiro.
O tema da providência em Bilbo, o escolhido
Para expressar como a providência escolhe “aleatoriamente” suas “vítimas”, Tolkien escolhe um personagem totalmente inusitado e inesperado para ser o instrumento da sorte/providência, um Hobbit. Antes de prosseguir é importante entender quem são os Hobbits. São criaturas pequenas, menores que anões, que vivem de modo pacato e que não gostam de grandes aventuras, preferem viver de modo comedido, sem grandes surpresas ou aventuras, vivem no Condado, uma espécie de vilarejo distributista, como que desconectados do mundo que os cerca.
Foi dessa realidade que saiu Bilbo, Bolseiro. Ele foi escolhido a dedo por Gandalf, personagem que falaremos mais posteriormente, para ser uma espécie de gatuno para os anões. Portanto, sua aventura começa com um convite para sair do conforto de seu lar, onde tinha tudo o que precisava para ser feliz como um Hobbit. Mas, o mago Gandalf o convoca para uma aventura, e diz que depois dela ele nunca mais seria o mesmo, o que se comprovou ao final dela. Diante de um conflito interno, Bilbo opta por ir e encarar a aventura, algo inimaginável para um Hobbit.
Após as primeiras aventuras, Bilbo e os anões são surpreendidos pela sorte em diversas situações, como no caso com os Trolls, em que Gandalf chega, providencialmente, no momento exato em que precisavam. Ou ainda, quando são capturados pelos Orcs nas Montanhas e Bilbo escapa despercebido, e como que se colocado ao seu lado pelo destino, ele encontra O Anel, ou O Anel o encontra…
A partir do momento em que Bilbo encontra O Anel, a Providência passa a acompanhá-lo mais de perto, e são inúmeras as situações em que ele é agraciado com ela durante toda a história, não sem um dedo dele próprio, de sua coragem, que foi se desenvolvendo durante a história, da sua ousadia, da sua lealdade e também com uma bela dose de sorte. Mas, com certeza, o anel é um divisor de águas, ele parece o transformar em alguém agraciado pelo destino. Nesse momento em diante, Bilbo passa a se tornar o grande líder da companhia, até que todos esperem dele os planos e próximos passos, se tornando muito respeitado no meio dos anões, algo que não era realidade no início de sua jornada, muito pelo contrário.
Caminhando para o fim da história, Bilbo, juntamente com sua sorte, conduzem a aventura. Ele salva os anões das aranhas, da prisão, dos Élfos e até mesmo de Smaug. É ele quem descobre a vulnerabilidade do dragão, e que possibilita que Bard o mate, é ele quem encontra a pedra Arken e que a entrega a Bard e ao rei Élfico. E em todas essas situações, concomitante às virtudes que ele desenvolveu no decorrer da história, a Providência sempre o acompanha e o trata como um escolhido.
Na conclusão da guerra dos cinco exércitos, Bilbo fica, por sorte, desacordado durante a maior parte da batalha, o que novamente o mostra como um escolhido. Após tudo isso, chega o momento de voltar para casa, não mais como Bilbo Bolseiro do Condado, mas transformado pelo destino e por sua aventura. Até mesmo Gandalf no final da jornada, na chegando ao Condado, diz:
“Meu caro Bilbo! Alguma coisa aconteceu com você! Não é mais o hobbit que um dia foi”
Até que, ao fim de tudo, em uma conversa com Gandalf e Balin, Bilbo diz “então as profecias das velhas canções se revelaram verdadeiras, de certa maneira”, no que o adverte Gandalf: “É claro! E por que não se mostrariam verdadeiras? Certamente você não deixa de acreditar nelas porque houve uma mãozinha sua para concretizá-las, não é?” e conclui com a conclusão para o nosso tema:
“Você não supõe que todas as suas aventuras e escapadas foram guiadas por mera sorte, só para o seu próprio benefício, supõe? Você é uma ótima pessoa, Sr. Bolseiro, e tenho muito apreço por você; mas é apenas um camarada bem pequeno num vasto mundo, afinal de contas”
Como quem diz, toda a sorte que teve em suas aventuras não são frutos de sua capacidade, mas a alguém ou algo muito maior que você que o conduziu, não pensando em você, mas na história como um todo. Assim, Gandalf fecha a história deixando claro que Bilbo foi apenas um instrumento nas mãos da Providência.
Gandalf como representante da Providência
Em muitos momentos, Mithrandir (Gandalf) se mostra como aquele que conhece o caminho da providência. Ele, em muitos momentos é aquele que realiza a vontade da providência, assim como Bilbo, é uma ferramenta em suas mãos. Mas, diferente do Sr. Bolseiro, Gandalf parece entender isso, mas não apenas isso, também parece ser um instrumento consciente, como alguém que conhece a vontade da Providência e realiza intencionalmente suas ações a fim de que o destino se concretize.
Em vários momentos é possível observar isso, desde o início, na escolha de Bilbo como o gatuno da companhia, em sua confiança nele, de que seria importante para a jornada. Ou quando salva o grupo dos Trolls no momento providencial. Ainda, no final da aventura, sabendo que os Orcs estavam se aproximando, propõe uma aliança entre anões, homens e elfos. Em todos esses momentos e em vários outros, Gandalf se mostra como uma representante da providência, ou ainda, como um instrumento consciente da sua aplicação.
Conclusão
Por fim, é possível notar o quão caro é o tema da providência no Hobbit, mas não apenas nela, mas na obra de Tolkien. O autor, como já mencionado, deixa respingar (ou irrigar), mesmo que não intencionalmente, sua cosmologia cristã em sua obra. Portanto, o destino é conduzido por Deus, ou pela providência, e os seus personagens, assim como nós, são instrumentos nas mãos do destino. Não excluindo, como vimos com Bilbo, a responsabilidade da ação, a necessidade de evolução pessoal na virtude e o compromisso em realizar o que é certo, mas sempre sob os olhos da Providência.
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