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Os níveis de leitura segundo Mortimer Adler – Leitura Analítica

Foto do escritor: Davi SilvaDavi Silva

Atualizado: 19 de out. de 2024

Os níveis de leitura segundo Mortimer Adler

 

Como apresentado anteriormente em nosso último texto (veja aqui), os níveis de leitura, baseados na obra clássica Como Ler Livros de Mortimer Adler, são um guia para o universo da interpretação textual. Como mencionado, o autor primeiramente discorre sobre o nível Inspecional, onde ele estimula o leitor a ter uma postura ativa e exigente diante da obra, mas fazendo-o com o objetivo de absorver o tema geral, captar o todo do livro, para então se aprofundar e entender a obra no próximo nível, que ele chama de Analítico, objeto da nossa reflexão abaixo. 


O Nível de Leitura Analítica é caracterizado pelo processo de dissecação do livro, onde o leitor irá identificar as partes e fazer a sua relação com o todo, que absorveu no estágio anterior, da leitura Inspecional. Sua tarefa agora é absorver os conceitos, os assuntos principais, a divisão estrutural que o autor construiu seus argumentos para responder o seu “problema”, ou seja, o que o motivou a escrever. Adler divide em 3 etapas que iremos analisar em seguida, primeiramente, algumas regras para descobrir o conteúdo do livro, depois, regras para interpretar o conteúdo e por fim, regras para criticar o conteúdo do livro. Esse é o caminho que iremos seguir.


Regras para descobrir o conteúdo


Classificar o livro

O primeiro passo para descobrir o conteúdo do livro é classificá-lo, ou seja, que tipo de livro é? Lembrando que as perguntas serão recorrentes, pois o autor defende veementemente o processo ativo de leitura, onde o leitor está em constante diálogo com o autor. A classificação do livro transita pelo gênero literário, pelo objetivo do autor e finalidade da obra, para mais informações ver Divisão literária em Mortimer Adler.


Classificar o livro é a regra fundamental para a boa interpretação da obra, e consequentemente descobrir o seu conteúdo. Inclusive, um dos grandes erros atuais na critica literária pela população geral é ler uma obra em uma perspectiva diferente do que o autor a escreveu, por exemplo, uma coluna de opinião de um jornal como se fosse uma narração de um fato, e não uma opinião pessoal do escritor. Essa dificuldade pode gerar diversos constrangimentos e nos deixa cada vez mais longe da correta interpretação do texto. Portanto, identificar o tipo de livro e o assunto a que se propõe o autor é o ponto de partida para descobrir o conteúdo do livro.


Fazer um resumo breve

Após o processo de leitura Inspecional, em que o leitor se dedicou a captar a ideia do todo da obra, um exercício interessante é resumi-la. Não de modo amplo e completo, pelo contrário, o autor sugere o menor resumo possível. Diz ele que o objetivo é expressar a unidade do livro no menor número de palavras, ele sugere um curto parágrafo. Como exemplo ele apresenta o resumo feito por Aristóteles, em sua obra Poética, sobre a Odisséia de Homero:

 

“Um homem solitário vagueia, durante anos, em terras estrangeiras; ele é vigiado pelo ciumento Poseidon, que o impede de voltar, e fica desolado. Em casa, os pretendentes de sua esposa lhe devoram os bens e ameaçam a vida de seu filho. Quando, finalmente, consegue regressar, ele revela a alguns sua identidade, ataca e destrói os inimigos com as próprias mãos e salva-se” 

Pensando no tamanho da obra original, que varia em torno de 500 páginas, a depender da versão, o resumo consegue absorver com exatidão o teor geral da obra em pouquíssimas linhas. Esse é o conselho de Adler, faça um brevíssimo resumo do todo da obra.


Radiografar o livro

O próximo passo, talvez um dos mais fundamentais e intrigantes apresentados pelo autor, é o processo de radiografar o livro. Ele defende que para compreender efetivamente a obra, é necessário “encaixar o todo na sua unidade e a unidade no todo”. Portanto ele apresenta uma ferramenta para fazer isso, que seria o procedimento de dissecar o conteúdo da obra. Entender como o livro foi organizado em seus pormenores. Por exemplo, ele apresenta uma estrutura como a seguinte, a primeira divisão é em Partes, que podem se dividir em capítulos e esses capítulos se dividem em seções e essas seções em argumentos. Portanto, existe um caminho do macro para o micro que o autor construiu seus argumentos. É portanto fundamental encontrar e entender esse fio de Ariadne que carrega a alma da obra. 


O leitor pode estar se perguntando se vale a pena gastar tanta energia e tempo para esse processo. Nesse momento cabe um comentário pessoal. Quão cansativo e frustrante é chegar ao fim de uma obra e não lembrar o seu conteúdo, ou ainda, por mais que lembre do geral, ainda muitas coisas não adentraram para o nosso interior. E quando um livro é realmente impactante, temos que voltar para lê-lo outras diversas vezes. Não pela complexidade do livro, mas por nossa incapacidade de absorvê-lo. 


Diante disso, esse processo de se dedicar com profundidade ao livro (importante ressaltar, o autor fala de obras Clássicas, ou seja, de obrar muito específicas que foram escritas pelos grandes homens da história e que merecem a nossa atenção completa) irá proporcionar uma sensação de dever cumprido ao finalizar a obra e ter a capacidade de reconhecer que absorveu tudo quanto podia do autor. Para obras clássicas, esse deve ser o nosso grande objetivo


Descobrir e definir o problema do livro

Prosseguindo, a última regra para descobrir o conteúdo do livro é identificar o “problema” que motivou o autor a escrever a obra. Qual a motivação, o que ele queria passar, qual mensagem ele gostaria de transmitir? Ter isso em mente de modo claro é fundamental para a leitura e compreensão da obra, pois tudo que o autor fará durante o livro deverá cumprir o propósito de responder a essa questão, é atingir esse objetivo. 


Para o leitor atento, exigente e ativo, como defende Adler, apenas depois de entender o que o autor está se propondo a responder é que poderá, de forma honesta, interpretar efetivamente a obra. Após ter passado por todo esse caminho, de classificar o livro, de fazer um resumo conciso, de radiografá-lo em seus pormenores e finalmente entender a grande questão do autor é que se deve prosseguir para as regras que objetivam interpretar o conteúdo.


Como Ler Livros - Mortimer Adler

Regras para interpretar o conteúdo


Entrar em acordo com o autor

A primeira, e uma das mais importantes ações de um leitor ativo e exigente é compreender que o autor se localiza em um contexto específico. Esse elemento é fundamental para interpretar o conteúdo de uma obra. Um conceito pode (e é comum que aconteça) variar a depender da época que é utilizado, ou das pressuposições do autor, ou ainda o seu contexto cultural, político, econômico, suas influências e tantas outras variáveis. Diante disso, entrar em um acordo com o autor é um atestado de honestidade, para posteriormente possibilitar a crítica da obra.


Para entrar em um acordo, é necessário entender qual o sentido exato que o autor está usando aquele termo específico. Por exemplo, o modo como Platão utiliza a palavra amor, é diferente do modo como Agostinho a utiliza (por mais que tenha sido influenciado por ele), que é por sua vez, diferente do modo como Freud utiliza. Portanto, não posso ler Freud interpretando sua concepção de amor de modo diferente do que ele próprio está dizendo. Isso é entrar em acordo com o autor e com suas palavras-chave.


Aprender as proposições principais

Após entrar em acordo com o autor, é imprescindível encontrar quais são as principais proposições do autor. Ou seja, onde está o cerne da sua construção textual. O que ele toma como ponto de partida para posteriormente construir seus argumentos? Novamente, fazer perguntas ao texto é a grande regra para absorver e apreender o que o autor propõe. 


As proposições são as unidades lógicas em que o autor baseia suas respostas. Uma frase simples pode expressar diversas proposições, mas também uma proposição pode ser expressa por duas ou mais frases.


Identifique os argumentos e como foram construídos


Partindo para a construção efetivamente do fio que conduz o texto do autor, identificar os argumentos e como foram construídos é o passo final para interpretar o conteúdo da obra. Após encontrar e compreender as proposições, os argumentos irão se unir a elas e construir efetivamente a resposta do autor à pergunta (ou objetivo) inicial que o motivou a escrever. Entender a unidade lógica da obra, portanto, é ser capaz de entender a própria obra.


Um argumento pode ser expresso em uma única e complicada frase, ou ainda em várias frases que formam um parágrafo (ou mais de um). Novamente, por isso a necessidade de ressaltar que não é um caminho simples, a correta interpretação de um conteúdo importante exigirá muito esforço e dedicação por parte do leitor.A grande missão do leitor, portanto, é saber quais são os argumentos com clareza e como ele se relaciona na defesa do todo.


Determine quais problemas foram resolvidos e quais não foram, e se o autor está ciente

Finalmente, após concluir o estágio das regras para interpretar o conteúdo, será possível determinar quais problemas foram resolvidos e quais não foram, além disso, saber se o autor está ciente que não os resolveu. Entendendo o objetivo ou pergunta inicial como o fio condutor da obra, a finalidade da escrita será responder ao questionamento inicial. Diante disso, ao final da análise de dissecação da obra, deve ser perceptível ao leitor identificar se o autor conseguiu cumprir seus objetivos iniciais, ou não. No caso de não ter cumprido, se ele sabe que não o fez. 


Esse estágio é importante para as regras da próxima etapa, que será como criticar o livro. Um livro só deve ser criticado se compreendido corretamente. E para isso, as regras anteriores, tanto para descobrir o conteúdo como para interpretá-lo são fundamentais. 


Regras para criticar o conteúdo


Não critique até ter feito a leitura analítica

Se direcionando agora para a última etapa, que como mencionado anteriormente deve ser obrigatoriamente precedida pelas anteriores, objetiva-se criticar o conteúdo. Para isso, o leitor não deve criticar até ter feito a leitura analítica com empenho e ter chegado às conclusões necessárias. 


Pode parecer um caminho árduo até a etapa atual, no entanto é necessário relembrar que o autor se refere a obras clássicas, ou seja, o que de melhor foi produzido na história da humanidade. Portanto, são obras que valem o tempo e energia dedicados a compreendê-las em sua inteireza. Isso posto, deve-se lembrar da reverência e respeito a esses grandes autores, que não apenas podem, mas devem ser criticados, no entanto após o leitor realmente compreender os pormenores que constituem a obra, para então sim se dedicar a apresentar suas opiniões divergentes. 


Se discordar, faça com argumentos, não com opiniões

Talvez o grande dilema da sociedade moderna, criticar sem entender. Na perspectiva de que os estudantes e os cidadãos de modo geral devem ser críticos, a sociedade aceita a crítica de qualquer forma, advinda de qualquer um. No entanto, isso gera um problema, um grande problema, criticar sem entender. O que é claramente um contrassenso. Se discordar, faça com argumentos, não com opiniões. 


Deve-se chegar diante de um grande autor com humildade suficiente para aprender e ávido pelo conhecimento sem preconceitos ou pressupostos, mas com compromisso com a verdade. No entanto, também é verdade que até mesmo os grandes livros e grandes autores podem e erram. Diante desse fato, Adler apresenta quatro maneiras concretos para se discordar de uma obra, são elas:


1º Autor está desinformado

Ou seja, falta conhecimento relevante ao autor sobre o problema que tenta resolver. Apenas se for relevante para o problema que ele se propõe a resolver. Mas essa crítica só pode ser concreta se você, leitor, puder apontar quais conhecimentos faltam ao autor, mostrando com isso a relevância para as conclusões do problema que ele propôs responder. 


2º Autor está mal informado

Ou seja, ele afirma algo que não condiz com a realidade. Nesse caso, novamente a crítica deve ser feita se a afirmação dever conexão direta e necessária com a conclusão que o autor propõe, como por exemplo em parte fundamental de uma argumento imprescindível para a defesa de sua tese. 


3º Autor foi ilógico

Ou seja, não possui coerência entre os argumentos e a conclusão. Existem basicamente dois tipos, ou a conclusão não guarda relação necessária com as raízes oferecidas. Ou quando o autor afirma duas coisas que são incompatíveis entre si. 


4º Análise está incompleta

Ou seja, não resolveu o que se propôs, ou ainda não utilizou adequadamente o material de que dispunha. Não observando todas as implicações e ramificações, falhando em distinguir os aspectos relevantes da empreitada em que se propôs. 


Retomada e próximos passos


Chegamos ao meio do caminho, após falar sobre os primeiros estágios da leitura exigente, Elementar e Inspecional ,falamos nesse texto sobre as grandes regras para realmente entender o conteúdo de um livro. Dissecá-lo em suas partes, identificar seus argumentos, entender a estrutura para poder fazer o principal, encaixar a parte no todo e o todo na parte. Após isso realizado com esmero, se propõe a criticar o livro, com a elegância de alguém que está interessado em debater ideias e não opiniões, não tendo compromisso com o erro, mas em uma constante busca pela verdade. 


Em nosso próximo e último texto iremos nos adentrar no último nível de leitura, que também é o mais complexo e profundo de todos, a Leitura Sintópica. Ela se propõe a colocar o leitor como protagonista, fazendo com que ele participe ativamente das conclusões e use os grandes autores para debater suas ideias, com o objetivo de chegar a uma conclusão, que pode não estar especificamente em nenhum deles, mas da união de vários. 

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