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Reflexões Sobre o Divertimento

Foto do escritor: Davi SilvaDavi Silva

Atualizado: 19 de out. de 2024

Reflexões Sobre o Divertimento - Blaise Pascal

 

Reflexões sobre o divertimento


Talvez não haja nada de tão atual quanto o tema do divertimento. O mundo contemporâneo é viciado em entretenimento, em nunca estar em tédio, em cada segundo estar envolvido com algo que lhe dê prazer e “alegria”. Para um cidadão do século XXI, principalmente se for jovem, e entenda jovem um adulto até os 35 anos, o que não é nada incomum nos dias atuais, a possibilidade de ficar um final de semana em casa sem se “divertir” é inaceitável. A busca pelo prazer constante e a minimização da dor, no melhor modo hedonista, tomou as rédeas do mundo moderno. Diante disso, esse texto objetiva analisar o divertimento como uma ferramenta do mundo moderno para se desvencilhar da realidade que o cerca. Para tal, iremos analisar um dos principais autores que tratam o tema, Blaise Pascal, que faz diversas críticas à busca desenfreada pelo divertimento/distrações. Também, buscaremos entender o papel do divertimento como o “pão e circo”, ou seja, que serve como uma ferramenta de, como diria John Taylor Gatto, “Emburrecimento Programado”, da sociedade. Por fim, buscaremos realizar aplicações dos conceitos apresentados em Pascal nos dias atuais, com a sociedade tecnológica contemporânea em que vivemos. 


O que Pascal diz sobre o divertimento


Quem foi Blaise Pascal


Inicialmente, Blaise Pascal foi um grande pensador francês do século XVII, sua área de atuação foi ampla, desde grande matemático, físico e inventor passando por áreas como a filosofia e a teologia. Pascal escreveu diversas obras, entre as quais a obra “Pensamentos sobre a Religião e outros temas” será nossa principal referência. Pascal é muito famoso também por sua “aposta pascaliana” onde analisa racionalmente a possibilidade da existência de Deus e como devemos nos portar diante dela. Mas, o que nos interessa são suas análises sobre o divertimento e suas aplicações.


Divertimento como Evasão da Realidade


Adentrando nos pensamentos pascalinos, uma das críticas do autor gira em torno do divertimento, ou das distrações, como ferramenta de evasão da realidade. Ou seja, se usa o divertimento a fim de fugir das reflexões profundas da essência da vida. A vida contemporânea acontece em uma rotação nunca antes vista, cada minuto do dia possui uma programação, cada dia da semana possui seu espaço bem delimitado na agenda, cada mês do ano uma função específica… E juntamente com as ocupações, a responsabilidade de manter a agenda sempre abarrotada de eventos, sejam de trabalho como de lazer. Não há espaços “vazios” na agenda de ninguém. A falta de tempo gera uma impossibilidade de reflexão sobre as questões mais profundas, não há tempo para isso. O que ocorria naturalmente com Sócrates nas ruas e praças de Atenas é inimaginável ao homem contemporâneo. Quantos pensam sobre questões básicas, mas fundamentais, da existência? As próprias questões sobre quem somos? Para onde vamos? Qual a nossa função/fim último no mundo? E principalmente, como as respostas que se oferece a cada uma dessas questões influencia a vida cotidiana. O entretenimento/diversão se apresenta, portanto, como o pão e circo, como o modo de controlar a mente e corpo dos indivíduos. Hoje, o sujeito chega em casa do trabalho e a principal ação é se sentar na frente de uma televisão e ver a hora passar até o momento e ir se deitar e repetir a rotina. As programações são para todos os gostos, futebol, novela, filmes, séries… Muitas das vezes apresentando uma vida que o telespectador gostaria de ter, mas que a vive por meio da tela. Isso sem nos aprofundar, por enquanto, nas redes sociais.


Superficialidade e vazio


O grande pensador espanhol José Ortega y Gasset, em seu livro “A Rebelião das Massas” diz que o mundo moderno alcançou o ápice do desenvolvimento, desde informação, tecnologia, medicina… mas não sabemos o que fazer com tudo isso, somos como barcos à deriva. Tudo hoje é superficial, o entretenimento é sempre um modo de passar o tempo, sem reflexão. Pesquisas recentes mostram o volume de horas gastas em plataformas de streaming, obviamente são números assustadores. E a grande questão, qual a profundidade da análise dos programas assistidos? O problema não é assistir, mas sim, como assistir, o entretenimento é sempre superficial. Quantas séries uma pessoa assiste por ano? Quantas dessas ele poderia relembrar os personagens principais? O enredo? As principais tramas? Esse acúmulo de imagens, personagens e “vidas” alheias apenas gera um desconforto interno, um vazio de querer viver a vida do personagem, diante disso, busca-se outro e outro personagem para suprir esse vazio e essa superficialidade. Obviamente, não apenas os programas televisivos são uma ferramenta. A diversão como um todo. O lazer desinteressado, festas constantes, bebidas alcoólicas, uso de drogas… tudo isso serve como uma fuga da realidade e um tratamento superficial das questões importantes sobre a existência.


Busca de sentido


Para Pascal, como já dito, o divertimento é uma fuga da realidade, ou seja, não há tempo, e nem interesse, em refletir sobre a própria existência. Um dos fatos da existência é o vazio que a reflexão pode causar inicialmente. Não saber as respostas básicas para as perguntas existenciais gera uma tensão interna quase insolúvel. Portanto, apenas um próximo passo, na direção da reflexão, possibilita a busca de sentido para a vida. Esse sentido só pode ser imaterial. Mas, para esse nível de reflexão espiritual, Pascal diz ser impossível com a fragmentação de atenção exigida pelos entretenimentos diversos da vida moderna. A busca de significado só é possível, seguindo a máxima socrática, “que uma vida não refletida não merece ser vivida”. E a reflexão da vida, nada mais é do que a busca de respostas que darão sentido à existência. Essas respostas não podem estar nos prazeres superficiais proporcionados pelo divertimento. Se fosse esse o caso, em nada nos diferenciarmos dos animais, buscando o prazer imediato, sem questionar, sem projetar o futuro, sem refletir sobre a realidade, somos o único animal que temos a petulância de querer entender o sentido às coisas, que faz perguntas para a realidade e sempre que falhamos nessa busca nos distanciamos da nossa grande distinção, a racionalidade.


Fé e reflexão


Por fim, Pascal faz uma relação com os prazeres momentâneos e superficiais, produzidos pelo divertimento/entretenimento ilimitado, contrastando-o com a fé/espiritualidade que se aproxima do fim último do homem, o que querer conhecer. Para o pensador, as distrações atuais nos impedem de refletir sobre o que vai além do físico, além do material,ou seja, na metafísica, no transcendente, que parece ser o local para encontrar as respostas para as perguntas essenciais, em que iremos basear nossa existência. Havemos de concordar que a resposta para a pergunta “para onde vamos, após a morte” é um divisor de águas no modo como encaramos, de modo prático, a realidade cotidiana. E é sobre a busca dessas respostas que se dedica Pascal. O autor apresenta a fé como uma forma de superar as distrações cotidianas, ela nos impulsiona a pensar sobre as questões fundamentais, o que produzirá uma tranquilidade interior, possibilitando viver de modo mais seguro e confiante, compreendendo as circunstâncias cotidianas como partes de um todo, tendo segurança nas respostas que o espiritual/transcendente pode nos oferecer. Com isso, a fé é o que produz sentido a existência, é o que nos distancia dos outros seres, é o que nos aproxima do divino, do eterno, do metafísico, do imaterial. 


Aplicações para os dias atuais


Diversas aplicações dos pensamentos de pascal foram apresentadas durante o texto, e essas aplicações são praticamente infindáveis, por o autor acertou profeticamente o que seria o mundo moderno, um local de dominância dos jovens, de barulho e de lazer, ou seja, como um oráculo, previu a realidade de nossos dias com uma precisão cirúrgica. O mundo moderno nada mais é do que uma exaltação do jovem, o que explica os adultos não deixarem suas características juvenis pois não querem ser vistos como “velhos”. Ou seja, o termo jovem pode se estender a adultos de quase 40 anos, se não mais, que moram com seus pais, que consomem vídeo-games horas a fio, que não querem constituir família, não pensam em casar ou tem filhos… São eternos adolescêntes que param no tempo. Esse perfil, cada vez mais comum, é o grande nicho do mercado de entretenimento, eles são os consumidores de streaming, de redes sociais diversas, de eSportes… O que provoca uma sensação de solidão, pois a sua vida real não é mais a própria realidade, mas sim a sua vida da rede social. Seus amigos são seus seguidores, e você fará o que for necessário para aumentá-los, por mais que isso vá contra sua consciência, se é que ela ainda exista. 


Corroborando a isso, a Realidade virtual se apresenta como a consumação dessa vida paralela, e como na matrix, as pessoas passam a viver uma realidade paralela, que se tornou a única. E nessa realidade, não existe a necessidade de se relacionar com outros seres humanos, pelo menos não fisicamente. E a premissa aristotélica de que somos animais políticos cai por terra. Não existe mais a necessidade, e muitas vezes o interesse, de se relacionar com outros seres humanos fisicamente, o que vai contra a nossa essência. 


Além disso, o consumismo desenfreado, em busca do prazer imediato, é mais uma aplicação possível ao assunto tratado por Pascal. Os prazeres materiais, como a principal e única ferramenta de felicidade é a marca desse mundo atual. A felicidade se compra, contrapondo o grande drama de Capra, para o homem moderno. No entanto ela se compra diariamente, pois não existe satisfação, e como o amor platônico, o consumidor moderno pula de IPhone a IPhone em busca da satisfação, que só chegará quando tiver o próximo… 


Tudo isso provoca o que nos alerta Pascal, a falta de reflexão e isso resulta em um vazio existencial profundo que quando se nota provoca as grandes doenças e causas de morte do mundo moderno. Segundo a OMS, cerca de 300 milhões de pessoas convivem com a depressão e ansiedade no mundo, só no Brasil, são cerca de 18 milhões, ou seja, praticamente 1 a cada 10 pessoas possuem a doença. E esses dados direcionam a outros, como o número de suicídios no mundo, que segundo a OMS está na casa dos 700 mil por ano, esse número representa 10% das tentativas, ou seja, são 7 milhões de tentativas de suicídio anualmente no mundo. 


Pode-se escrever extensivamente sobre o tema, no entanto, não é o objetivo desse texto. Apenas buscamos relacionar os problemas do mundo moderno com suas possíveis causas, entre tantas, o excesso de distrações, a busca desenfreada por prazer, a falta de tempo/interesse em refletir sobre a existência, provocam um vazio existencial que não consegue ser preenchido pelas coisas materiais ou pelos relacionamentos superficiais que são produzidos atualmente.


Conclusão


Pode-se concluir que, a temática do divertimento nunca foi tão atual e as reflexões sobre elas tão necessárias. o mundo moderno se afundou em mecanismos de distração, não há mais tempo, espaço ou interesse em pensar. O modelo consumista, de que coisas materiais me trarão a felicidade é um reflexo desse modelo. O lazer, assim como apresentado na distopia de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, é a perfeita fuga da reflexão, é incentivada e financiada pelo Estado, é o convite à Matrix. A alternativa proposta por Pascal é seguir o conselho socrático, já mencionado anteriormente, de refletir sobre a vida em busca de sentido. Esse sentido só pode estar acima da vida, fora do material, do físico, para o autor, só pode estar em Deus.


Conheça a obra:

Pensamentos - Blaise Pascal


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