![Princípios de Agostinho para melhorar a retórica](https://static.wixstatic.com/media/6aab26_08a0f9b86b3941e2a5ed0ec4042d04da~mv2.webp/v1/fill/w_980,h_470,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/6aab26_08a0f9b86b3941e2a5ed0ec4042d04da~mv2.webp)
Agostinho de Hipona
Agostinho de Hipona, o escritor de Confissões, é sem dúvida um dos melhores oradores da tradição cristã. A união de técnica e devoção a Deus e ao ensino bíblico, primorosamente evidenciados em seus textos, o coloca sempre em lugar de destaque na coroa patrística.
Trouxemos aqui alguns preceitos agostinianos muito caros a todos que desejam melhorar sua retórica – sobretudo no serviço ao Reino -, claro que não de forma exaustiva, do contrário este pequeno texto se tornaria demasiadamente extenso. Tais preceitos foram retirados de sua notória obra De Doctrina Christiana e todas as citações, diretas ou indiretas, pertencem à mesma. Os preceitos aqui abordados se atém majoritariamente aos aspectos ligados a arte da retórica, embora no livro sejam encontradas uma infinidade de preceitos pastorais direcionados à piedade, ainda mais importantes dos que aqui serão tratados.
“E não duvide que se pode fazê-lo e o quanto pode, consegui-lo-á, mais pela piedade de suas orações do que por seus talentos de orador.”
Sobre a obra
De Doctrina Christiana (A Doutrina Cristã) começou a ser escrita em 397 d.C., quando Agostinho ainda estava no início de seu ministério. A obra visa aprofundar o leitor, primariamente aspirantes ao episcopado, em um verdadeiro manual de princípios da hermenêutica – interpretação – e da exposição bíblica. Claro, em se tratando da profundidade do pensamento agostiniano, esta pequena síntese anterior não faz jus à obra, e nem sequer toca a superfície de toda a maturação literária dos trinta anos que o teólogo levou para concluí-la.
Para além do caráter hermenêutico e homilético de seu escrito, é oferecido uma coletânea de princípios morais e pastorais acerca da vida ministerial, tanto para o bom manejo das Escrituras quanto para o recôndito do coração do obreiro. A preciosidade da obra é tão patente que extrapola o destinamento inicial – aspirantes ao clericato – e se torna proveitosa para todo bom leitor que deseja uma aproximação maior no trato com as Escrituras. Por óbvio, De Doctrina Christiana versa sobre o conhecimento hermenêutico da época, Agostinho analisará o currículo de disciplinas básicas de seu tempo, passando, por exemplo, pelo estudo da lógica, música, artes mecânicas, e etc., o que acaba por ser de grande valia a opinião de tal erudito sobre as artes liberais.
De antemão, o leitor terá de lidar com questões da obra sobrepostas pelos avanços na ciência da interpretação bíblica ou, ainda, trechos que podem se demonstrar um tanto complexos ou exaustivos para os não estudantes de hermenêutica, contudo, não deve desencoraja-lo a ler o livro.
Divisão da obra de Agostinho
A obra é dividida em quatro livros, sendo que os três primeiros oferecem uma síntese moral e pastoral sobre os estudos hermenêuticos e ressaltam os aparatos necessários e desejáveis para a interpretação bíblica que acabam por se tornarem um guia de formação cultural do cristão. O quarto livro concentra-se em expor de fato a arte da retórica, analisando os requisitos requeridos do cristão que deseja se tornar um bom orador mas não sem primeiro definir o valor desta arte como ferramenta a serviço da Verdade. Agostinho expõe os objetivos de uma retórica cristã relacionando-os com os estilos retóricos de Cícero, o orador romano.
Mais precisamente as lições deste breve texto são extraídas deste último livro, não necessariamente na ordem em que foram postulados pelo teólogo de Hipona. Sem mais delongas, vamos aos preceitos:
1. Compromisso com a verdade
Em suma, Agostinho adverte por diversas vezes sobre como o falar com sabedoria está acima do falar com eloquência. Ainda que o último possa ser de grande proveito, deve-se estar subordinado à verdade e à sabedoria. Nas palavras de Agostinho, é preciso evitar “doçuras perniciosas”. O compromisso sempre será com a verdade objetiva e não com a validade argumentativa perante um auditório. Por óbvio, não cabe em nossa argumentação as vias do per fas et nefas ou recursos dialéticos erísticos que visam a aceitação do argumento pelo ouvinte, mas isto em detrimento da verdade. Sobre isto Agostinho afirma:
“Como defensor da fé verdadeira e adversário do erro, deve mediante o discurso ensinar o bem e refutar o mal.”
2. Imitação
É ressaltado o valor do método espontâneo da imitação em detrimento do estudo exaustivo das técnicas retóricas. Ao escutarmos bons oradores, podemos analisar os movimentos que tornam o seu discurso agradável e inteligível. As regras são simples:
Ler;
Escutar;
Imitar com exercícios os homens eloquentes.
“Aconselho-o-pois a ler, a escutar, a imitar com exercícios os homens eloquentes, com empenho maior do que lhe prescrevo seguir lições dos professores de retórica”.
Tal como uma criança que aprende a falar sem nenhum artifício pedagógico, tão somente ouvindo os discursos paternos e imitando-os, o orador pode elevar sua articulação apenas imitando modelos e peças de oratórias de êxito. Elenque bons oradores – de preferência, figuras virtuosas – e tente estabelecer e imitar seus padrões retóricos.
Esse método de aprender pela via mimética é um resquício do Mundo Clássico e já está descrito em tratados como os de Dionísio da Trácia nos estudos gramáticos.
Agostinho reforça a ideia do aprendizado mimético dos discursos de modo hiperbólico ao argumentar que as próprias crianças poderiam aprender a arte gramática sem as regras didáticas vigentes, caso crescessem e vivessem entre pessoas com boa utilização da língua.
3. Analisar o público
O teólogo de Hipona ainda notifica que é preciso estar atento às expressões do público, deixando suas afeições nos alertarem sobre o êxito de nosso discurso – o que modernamente poderíamos chamar de feedback.
“Ordinariamente, o povo na sua avidez de entender costuma dar demonstração, por seus movimentos, de que compreendeu. Até que assim manifestem, é preciso voltar ao assunto, variando as expressões de múltiplas maneiras.”
Há expressões de dúvida em meio às expressões do público? Tente explicar o mesmo conceito variando nas analogias ou mesmo nos exemplos, até que cessem as expressões de confusão e se possa prosseguir com segurança.
Agostinho admite a dificuldade deste recurso para aqueles que de antemão possuem um discurso memorizado, contudo, o princípio de passar para o próximo tópico somente com a certeza da compreensão é significativo – a norma da comunicação é ser entendido.
4. Os três objetivos do orador
Há três objetivos repousos sobre a arte da oratório segundo um certo orador que Agostinho menciona – hoje, sabemos se tratar do grande orador romano Cícero:
Instruir;
Agradar;
Convencer.
Das quais: “instruir é uma necessidade; agradar, um prazer; convencer, uma vitória”.
No primeiro tópico, encontramos a necessidade de fugir da mera oratória ou escolha de bons tropos com alvos fortuitos, e de fato possuir um conteúdo substancial no discurso – daí a necessidade e preocupação de ser entendido, da qual o orador precisa previamente munir-se de artifícios retóricos como figuras de linguagem e de pensamento.
Os outros dois tópicos derradeiros são concernentes a arte da retórica propriamente dita. Qualquer que seja a mensagem, não pode ser dita a qualquer modo, e quanto mais sua importância for preponderante, maior a preocupação com o uso das palavras. Dos discursos que importam, deseja-se agradar, condição sine qua non para a atenção; e quem agrada, convence. Deixemos a eloquência agostiniana elucubrar a premissa:
“E assim como o auditório sente prazer se tu falas de modo agradável, também ele se convence, se gostar do que lhe propõe, se temer aquilo de que o ameaças; se odiar o que reprovas; se abraçar o que recomendas; se deplorar o que excitas a ser deplorado; se sentir alegria com o que anuncias ser motivo de regozijo; se tiver piedade dos que apresentas como dignos de piedade; se fugir dos que incitas a evitar.”
Entretanto, deve-se sempre ressaltar a precedência do primeiro objetivo sobre os demais. Tanto os recursos direcionados à agradar, quanto ao alvo de convencer e receber consentimento, não devem jamais estarem em contraposição à verdade e à seriedade.
“Os homens têm consagrado esforços ingentes para chegar à finalidade de agradar. Assim, conseguiram persuadir vivamente maus e desonestos, de tantas vilanias e indecências, as quais não só deveriam ser execradas, mas ainda detestadas.”
Podemos ainda elencar uma miríade de preceitos – sobretudo pastorais – que o teólogo elenca em sua obra, portanto o alvo deste artigo é o de apetecer à leitura da obra em questão e muitas outras produzidas pelo genial Agostinho de Hipona.
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