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Sobre a Tranquilidade da Alma – Sêneca

Foto do escritor: Bruno PhilippeBruno Philippe

Atualizado: 19 de out. de 2024

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Sobre a Tranquilidade da Alma – Uma Introdução


Lúcio Aneu Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), escritor de Sobre a Tranquilidade da Alma, foi um dos mais notórios pensadores da Roma Antiga, ao ponto de ser ovacionado pelo próprio Quintiliano, que exalta a sua condição de universalidade no trato das matérias de erudição.

De discursos a poemas, Sêneca apregoou em muitos tratados morais os conhecimentos e a forma de pensar estóica sobre os dilemas morais humanos.


No diálogo Sobre a Tranquilidade da Alma – De Tranquilitate Animi –, Sêneca se coloca como uma espécie de médico que aponta o tratamento devido para a alma aflita de seu interlocutor e amigo, Sereno, que sofria com as “flutuações” de seus vícios, e que segundo o Estóico, tal tratamento seria a condição divina de tranquilidade da alma – tranquilitas


Embora, trata-se de um diálogo em forma epistolar, a obra é iniciada com as queixas de Sereno, e na continuidade, Sêneca, ao tomar a palavra, permanece até o final com um monólogo que vai descortinar os dilemas de Sereno, apontando as soluções segundo suas concepções.


Este texto pretende ser como um guia para que a sua leitura da obra seja fluída, aproveitando de forma melhor cada um dos tópicos mais importantes, e tendo o conhecimento prévio sobre a estrutura geral da obra. 


A morte de Sêneca, 1871 de Manuel Domínguez Sánchez
A morte de Sêneca, 1871 de Manuel Domínguez Sánchez

A Problemática do Livro


Sereno, o interlocutor, descreve seus dilemas. Em linhas gerais, seu desejo é caminhar em virtude, porém ao se deparar com algumas circunstâncias – que veremos mais à frente em detalhes – ele se vê hesitante, de forma que nem consegue se manter firme e estável no caminho da virtude, contudo tão pouco a abandona e se entrega de todo às paixões. Essas “flutuações” o incomodavam amiúde. Ele diz:


“nem estou de todo liberado dos males que temia e detestava (vícios), nem, por outro lado, estou entregue a eles”.

É necessário ressaltar que por “vícios”, o texto clássico se refere à antítese da virtude, e não a quaisquer naturezas de dependências, embora isto possa ou não estar contido na definição.


Sêneca, à essas “flutuações”, oferece como solução a condição de estabilidade – ou tranquilidade, bem como os possíveis caminhos para tal condição. Essa “tranquilidade” que o Estóico oferece se assemelha à noção de virtude aristotélica como a mediatriz entre dois vícios, que seriam como excessos da virtude, de tal forma que a alma, diante de alguma circunstância, não poderia nem exaltar-se, nem deprimir-se. Tal “linearidade” que despreza ondulações, seria como a tranquilidade que Sêneca deseja conceber como cura.


Estrutura do Livro


Abaixo, segue uma estrutura comentada da obra baseada na divisão de José Eduardo Lohner, embora os comentários e parte da estrutura que propomos divirjam em alguns pontos em relação ao tradutor mencionado. 


Indicamos sua tradução do texto integral, juntamente com o tratado Sobre a Ira, publicado pela Penguin Companhia, 2014.


Embora esboçados os temas principais, a beleza da linguagem com Sêneca aborda cada um dos tópicos jamais poderia ser traduzida neste resumo, tão pouco a profundidade dos temas, ou ainda, tantos outros tópicos que aqui serão omitidos. Que este guia seja também um convite para a leitura do tratado.


Sobre a Tranquilidade da Alma – Uma Introdução Lúcio Aneu Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), escritor de Sobre a Tranquilidade da Alma, foi um dos mais notórios pensadores da Roma Antiga, ao ponto de ser ovacionado pelo próprio Quintiliano, que exalta a sua condição de universalidade no trato das matérias de erudição.  De discursos a poemas, Sêneca apregoou em muitos tratados morais os conhecimentos e a forma de pensar estóica sobre os dilemas morais humanos.  No diálogo Sobre a Tranquilidade da Alma – De Tranquilitate Animi –, Sêneca se coloca como uma espécie de médico que aponta o tratamento devido para a alma aflita de seu interlocutor e amigo, Sereno, que sofria com as “flutuações” de seus vícios, e que segundo o Estóico, tal tratamento seria a condição divina de tranquilidade da alma – tranquilitas.   Embora, trata-se de um diálogo em forma epistolar, a obra é iniciada com as queixas de Sereno, e na continuidade, Sêneca, ao tomar a palavra, permanece até o final com um monólogo que vai descortinar os dilemas de Sereno, apontando as soluções segundo suas concepções.  Este texto pretende ser como um guia para que a sua leitura da obra seja fluída, aproveitando de forma melhor cada um dos tópicos mais importantes, e tendo o conhecimento prévio sobre a estrutura geral da obra.   A morte de Sêneca, 1871 de Manuel Domínguez Sánchez A morte de Sêneca, 1871 de Manuel Domínguez Sánchez A Problemática do Livro Sereno, o interlocutor, descreve seus dilemas. Em linhas gerais, seu desejo é caminhar em virtude, porém ao se deparar com algumas circunstâncias – que veremos mais à frente em detalhes – ele se vê hesitante, de forma que nem consegue se manter firme e estável no caminho da virtude, contudo tão pouco a abandona e se entrega de todo às paixões. Essas “flutuações” o incomodavam amiúde. Ele diz:  “nem estou de todo liberado dos males que temia e detestava (vícios), nem, por outro lado, estou entregue a eles”.  É necessário ressaltar que por “vícios”, o texto clássico se refere à antítese da virtude, e não a quaisquer naturezas de dependências, embora isto possa ou não estar contido na definição.  Sêneca, à essas “flutuações”, oferece como solução a condição de estabilidade – ou tranquilidade, bem como os possíveis caminhos para tal condição. Essa “tranquilidade” que o Estóico oferece se assemelha à noção de virtude aristotélica como a mediatriz entre dois vícios, que seriam como excessos da virtude, de tal forma que a alma, diante de alguma circunstância, não poderia nem exaltar-se, nem deprimir-se. Tal “linearidade” que despreza ondulações, seria como a tranquilidade que Sêneca deseja conceber como cura.  Estrutura do Livro Abaixo, segue uma estrutura comentada da obra baseada na divisão de José Eduardo Lohner, embora os comentários e parte da estrutura que propomos divirjam em alguns pontos em relação ao tradutor mencionado.   Indicamos sua tradução do texto integral, juntamente com o tratado Sobre a Ira, publicado pela Penguin Companhia, 2014.  Embora esboçados os temas principais, a beleza da linguagem com Sêneca aborda cada um dos tópicos jamais poderia ser traduzida neste resumo, tão pouco a profundidade dos temas, ou ainda, tantos outros tópicos que aqui serão omitidos. Que este guia seja também um convite para a leitura do tratado.  Sobre a Tranquilidade da Alma - Sêneca - Academuslab Livro Sobre a Tranquilidade da Alma - Sêneca | Direitos da foto: Academuslab. Capítulo I – As dores de Sereno Conforme já tratado, o livro inicia-se com as indagações e queixas de Sereno. Os vícios aos quais Sereno se refere como as oscilações em sua busca por virtude são basicamente de três naturezas:  1. Hesitação diante de bens materiais: Embora ele argumente que despreze a suntuosidade procedente do luxo, em dados momentos, ele se vê tentado a voltar-se não mais à frugalidade. O luxo o atacava sempre com uma “mordida secreta”.  2. O caminho do ócio ou do negócio: Sereno descreve sua alternância entre o exercício da vida pública no âmbito jurídico e o recolher-se para os estudos solitários e o cultivo da cultura – conceito antigo de ócio. O grande dilema reside quando a vida pública se apresenta em meio a dificuldades, com trabalhos árduos, isso conduzia-o ao recolhimento como uma espécie de fuga. Após uma sessão de leitura edificante, ele sentia-se impelido a voltar-se ao exercício da vida pública.  3. Dilema estético sobre a escrita: Sereno privilegiava o conteúdo como o componente mais importante na arte de escrever, levando em conta um estilo de escrita simples que fosse condizente ao seu saber. Contudo, a altivez de espírito dirigia-o a abandonar o estilo simples e adotar um estilo sublime que reconhecidamente não era sua “própria voz”.  Sereno ainda relata o seu receio de sucumbir a estas condições, tal como alguém em uma corda-bamba prestes a cair. O capítulo termina com o interlocutor clamando por um remédio que possa dar cabo destas flutuações.  Capítulo II – O Remédio: A Tranquilidade da Alma Com efeito, Sêneca assume seu papel de “médico” e começa a considerar as questões a ele impostas. O Estóico, pelo fato de seu interlocutor se tratar de alguém que busca a virtude, minimiza a angústia de Sereno com sua condição, não o tratando como alguém doente, mas como alguém que ainda não se habituou a ter saúde.  Entretanto, Sêneca chama atenção a real importância daquilo que seu interlocutor deseja. Essa condição de não perturbação da alma, da qual Demócrito denomina como euthymía, Sêneca a chama de tranquilitas, uma condição de não perturbar-se que é hiperbólicamente quase divina, porém seria o remédio para dar cabo de tais flutuações.  Sêneca ainda descreve as condições de indivíduos que estão de fato entregues aos vícios que Sereno menciona, e como para estes, nem no negócio, e tão pouco no ócio há lugar de tranquilidade. Mudam de lugar, achando que assim, poderão mudar sua condição, quando na realidade é o interior que carece de mudança. Por não haver contentamento nem em um estado, nem em outro, para Sêneca, isso geraria o tédio e a instabilidade para tais indivíduos.  Capítulo III ao VIII – A Virtude no Ócio e no Negócio Nestas sessões, Sêneca começa a pontuar os medicamentos que julga necessários para a estabilidade na virtude e combate de tal tédio anteriormente mencionado. Ele defende que o exercício da virtude não se aplica apenas ao ócio, mas também no âmbito público ou nos negócios – negotia – ou ainda em quaisquer circunstâncias. É útil ao Estado não só apenas quem julga os réus, mas quem adverte os jovens sobre o bom proceder.  Sobretudo nos capítulo de 3 a 5, Sêneca foca na análise da vida pública e política, conciliando o exercício da virtude com tais atividades.  “Vale notar que, de um lado, numa situação política opressiva, um homem sábio encontra ocasião para se manifestar, e, de outro, numa situação próspera e feliz, reinam o dinheiro, a inveja e mil outros vícios da inércia”.  No capítulo 6, Sêneca evidencia a necessidade de examinar a si mesmo, pois, via de regra, nos parece que podemos fazer mais do que realmente podemos. Seguida da reflexão sobre si próprio, deve-se considerar as ações e planejamentos que desejamos alcançar; nossa real capacidade deve acompanhar nossos projetos, por isso o exame de si seria tão importante.  O capítulo 7 é tomado por uma reflexão que o Estóico faz sobre o papel da amizade, e os critérios e cuidados para escolher um amigo.   Capítulo VIII ao IX – As Dores das Riquezas e o Comedimento Esta seção discorre sobre os bens pessoais e as riquezas. Para ele, as dores oriundas das riquezas excedem as dores de outros temores como a própria morte. A dor de não ter (riquezas) é menor do que o medo de perdê-las, argumenta o filósofo. Os patrimônios seriam para ele o maior motivo das desavenças humanas.  Sêneca ainda fixa bom termo no usufruto das riquezas:  “O melhor limite para o dinheiro é aquele em que nem nos deixa cair na pobreza, nem da pobreza nos distancia”.  Ele ressalta como a frugalidade e o comedimento devem ser guiados pelo o que é necessário, não entregando-se ao luxo ou aos excessos. Coma o necessário, beba apenas o necessário. Toda pompa e suntuosidade são apenas combustíveis para a vaidade.  Para Sêneca a riqueza deve ser buscada em nós e não em fortunas.  Mesmo em despesas com boas finalidade como a literatura, o limite ponderado deve ser observado.  Capítulo X ao XI – As Correntes dos Bens e a Morte Nesta seção, Sêneca aplica diversas premissas do estoicismo ainda no âmbito dos bens materiais. De certo modo, todos estamos atados a certas naturezas de vicissitudes como riquezas, honra e afins; mesmo aqueles que possuem uma vida difícil, o hábito torna o “peso” de tal vida mais leve ao longo do tempo, de modo que é possível ver lazer e diversão em qualquer estilo de vida.   Para Sêneca, é necessário a consciência desta “atadura” que nos prende a tais vicissitudes, de forma que enxerguemos que, na realidade, todos somos escravos em alguma medida. Desta consciência, podemos afrouxar as “ataduras” quando muito apertadas, e apertá-las quando demasiadamente frouxas estiverem; nem se apagar exageradamente a tais questões, e nem tão pouco desprezá-las quando contiverem louvor, aplicando o exercício da razão.  Na última metade desta seção, Sêneca se dedica ao tema da morte e à ansiedade decorrente desta sentença. Para o Estóico, é impossível viver bem sem a consciência de nossa mortalidade. Tudo antever, como se quaisquer hipóteses fossem possíveis de acontecer em nossa vida, para o filósofo, é a força motora para o bem viver. Aqueles que vivem somente esperando da vida alegrias mil, estarão em cada dilema, frustrados com sua própria condição.   “Viverá mal todo aquele que não souber morrer bem”.  Capítulo XII ao XIV – Ações Sem Propósitos Jamais empreender ações sem propósitos, sobretudo diante da busca por riquezas, ou ainda, cobiçar além do que nos é dado, é o que Sêneca continua a argumentar como remédio para titubear diante do luxo.  Ele ainda alerta sobre o perigo na execução de tarefas múltiplas, porém irrefletidas e desnecessárias, e da agitação oriundas dessas, matéria em que a esfera pública é especialmente propensa.  O vício que Sêneca pontua aqui é o de buscar informações e ocupações aos montes, além de verificar numerosos fatos irrelevantes, quando nada disto é necessário. Essas definições parecem se assemelhar ao conceito moderno de entretenimento.  Deve-se propor fazer aquilo que é necessário, ainda que, estes sim, sejam inumeráveis, e considerar as eventualidades que podem nos impedir de executar tal e tal tarefa; exatamente o exercício mental de tudo antever postulado nos capítulos anteriores. Tal fato se aplica em não nos apegarmos demais a projetos futuros, de sorte que, assaltados por intempéries, tenhamos a resiliência da adaptação que despreza as frustrações.  Ele ainda ratifica o dever de interpretar os fatos positivamente ao citar Zenão, que após perder todos os seus bens, se viu apenas mais livre para filosofar.  Capítulo XV a XVII – Relacionamentos e a Vida de Aparências Nesta seção derradeira, Sêneca trata dos relacionamentos, e como é imprescindível o otimismo e a benevolência em face das atitudes alheias que nos cercam, desprezando o importunamento inerente a tais atitudes.   “É mais humano rir-se da vida do que deplorá-la”.  O filósofo ainda comenta a atitude requerida em face das injustiças, como a morte de bons homens ou inocentes; fato não tão raro em sua época. Como exemplos notórios desta ordem, entre outros, Sêneca cita Sócrates, Cícero e Catão.  Ademais, Sêneca ainda menciona quão dolorosa é a vida de aparências movidas por vaidade, e quão grande deleite há na simplicidade.  Por último, o Estóico menciona a sabedoria necessária para alternar entre atividades diárias e o recolhimento. Reflete também sobre o papel do descanso e do lazer para o cultivo da tranquilitas, citando outros exemplos de homens que foram notórios em seus empreendimentos, todavia, cada qual tinha em conta seu respectivo descanso e lazer.  Informações Importantes para ler Sobre a Tranquilidade da Alma Conforme observado, o diálogo está centrado sobre duas grandes estruturas: O problema de Sereno e sua instabilidade e o tratamento que o Estóico oferece.  Sêneca oferece fileiras de conselhos baseados no pensamento estóico, em grande medida postuladas por Zenão de Cítio, qual ele menciona lá pelas tantas do capítulo XIV.  O comedimento em relação aos prazeres e as aflições é um dos motes principais e condição básica para alcançar o ideal de tranquilidade que os estóicos pregavam – a ataraxia.  Sêneca, comenta os três dilemas de Sereno na obra basicamente desta forma:  1. Primeiramente, tenta descrever quais as condições destas flutuações que Sereno padece, definindo-as no capítulo II;  2. Após este capítulo, Sêneca aborda, majoritariamente, a primeira questão e a segunda – dilemas sobre o ócio e as riquezas – nos capítulos subsequentes. Ao dilema sobre o “Ócio ou Negócio”, ele dedica os capítulos III e IV.   3. Sobre o dilema acerca das riquezas, praticamente podemos ver o tema em todos os capítulos vindouros, embora mais especificamente seja tratado nos capítulos de VIII a XI.  4. De XII a XVII, ele retoma o assunto da esfera pública e o ócio, além do epílogo.   O terceiro dilema de Sereno sobre a estética da escrita é respondido pelo espírito geral da obra e argumentação do Estóico.  Não raro, Sêneca adverte sobre temas que parecem exceder as indagações de Sereno, contudo podem ser entendidos como causas do efeito da intranquilidade de seu interlocutor.  A tranquilidade e o balizamento da instabilidade, são os temas recorrentes em todos os capítulos, aos quais Sêneca trabalha de forma transversal; alterna entre os dilemas ou trata-os de modo conjunto, quando de algum modo se tocam.  No limite, o cerne da questão que Sêneca trabalha é o de não permitir que seu interlocutor seja seduzido por quaisquer natureza de dilemas da vida, sejam elas riquezas ou vida pública. Para tal, o comedimento é o remédio necessário para o não exaltar-se, nem o depreciar-se, de tal forma que pelo o hábito – considerando esta definição também como a própria virtude, dentro do Mundo Clássico – o indivíduo adquira a estabilidade que busca diante de cada um dos dilemas que se apresentam, ao passo que a tal tranquilitas se torna o próprio estilo de vida do sujeito.
Livro Sobre a Tranquilidade da Alma - Sêneca | Direitos da foto: Academuslab.

Capítulo I – As dores de Sereno


Conforme já tratado, o livro inicia-se com as indagações e queixas de Sereno. Os vícios aos quais Sereno se refere como as oscilações em sua busca por virtude são basicamente de três naturezas:


1. Hesitação diante de bens materiais: Embora ele argumente que despreze a suntuosidade procedente do luxo, em dados momentos, ele se vê tentado a voltar-se não mais à frugalidade. O luxo o atacava sempre com uma “mordida secreta”.


2. O caminho do ócio ou do negócio: Sereno descreve sua alternância entre o exercício da vida pública no âmbito jurídico e o recolher-se para os estudos solitários e o cultivo da cultura – conceito antigo de ócio. O grande dilema reside quando a vida pública se apresenta em meio a dificuldades, com trabalhos árduos, isso conduzia-o ao recolhimento como uma espécie de fuga. Após uma sessão de leitura edificante, ele sentia-se impelido a voltar-se ao exercício da vida pública.


3. Dilema estético sobre a escrita: Sereno privilegiava o conteúdo como o componente mais importante na arte de escrever, levando em conta um estilo de escrita simples que fosse condizente ao seu saber. Contudo, a altivez de espírito dirigia-o a abandonar o estilo simples e adotar um estilo sublime que reconhecidamente não era sua “própria voz”.


Sereno ainda relata o seu receio de sucumbir a estas condições, tal como alguém em uma corda-bamba prestes a cair. O capítulo termina com o interlocutor clamando por um remédio que possa dar cabo destas flutuações.


Capítulo II – O Remédio: A Tranquilidade da Alma


Com efeito, Sêneca assume seu papel de “médico” e começa a considerar as questões a ele impostas. O Estóico, pelo fato de seu interlocutor se tratar de alguém que busca a virtude, minimiza a angústia de Sereno com sua condição, não o tratando como alguém doente, mas como alguém que ainda não se habituou a ter saúde.


Entretanto, Sêneca chama atenção a real importância daquilo que seu interlocutor deseja. Essa condição de não perturbação da alma, da qual Demócrito denomina como euthymía, Sêneca a chama de tranquilitas, uma condição de não perturbar-se que é hiperbólicamente quase divina, porém seria o remédio para dar cabo de tais flutuações.


Sêneca ainda descreve as condições de indivíduos que estão de fato entregues aos vícios que Sereno menciona, e como para estes, nem no negócio, e tão pouco no ócio há lugar de tranquilidade. Mudam de lugar, achando que assim, poderão mudar sua condição, quando na realidade é o interior que carece de mudança. Por não haver contentamento nem em um estado, nem em outro, para Sêneca, isso geraria o tédio e a instabilidade para tais indivíduos.


Capítulo III ao VIII – A Virtude no Ócio e no Negócio


Nestas sessões, Sêneca começa a pontuar os medicamentos que julga necessários para a estabilidade na virtude e combate de tal tédio anteriormente mencionado. Ele defende que o exercício da virtude não se aplica apenas ao ócio, mas também no âmbito público ou nos negócios – negotia – ou ainda em quaisquer circunstâncias. É útil ao Estado não só apenas quem julga os réus, mas quem adverte os jovens sobre o bom proceder.


Sobretudo nos capítulo de 3 a 5, Sêneca foca na análise da vida pública e política, conciliando o exercício da virtude com tais atividades.


“Vale notar que, de um lado, numa situação política opressiva, um homem sábio encontra ocasião para se manifestar, e, de outro, numa situação próspera e feliz, reinam o dinheiro, a inveja e mil outros vícios da inércia”.

No capítulo 6, Sêneca evidencia a necessidade de examinar a si mesmo, pois, via de regra, nos parece que podemos fazer mais do que realmente podemos. Seguida da reflexão sobre si próprio, deve-se considerar as ações e planejamentos que desejamos alcançar; nossa real capacidade deve acompanhar nossos projetos, por isso o exame de si seria tão importante.


O capítulo 7 é tomado por uma reflexão que o Estóico faz sobre o papel da amizade, e os critérios e cuidados para escolher um amigo. 


Capítulo VIII ao IX – As Dores das Riquezas e o Comedimento


Esta seção discorre sobre os bens pessoais e as riquezas. Para ele, as dores oriundas das riquezas excedem as dores de outros temores como a própria morte. A dor de não ter (riquezas) é menor do que o medo de perdê-las, argumenta o filósofo. Os patrimônios seriam para ele o maior motivo das desavenças humanas.

Sêneca ainda fixa bom termo no usufruto das riquezas:


“O melhor limite para o dinheiro é aquele em que nem nos deixa cair na pobreza, nem da pobreza nos distancia”.

Ele ressalta como a frugalidade e o comedimento devem ser guiados pelo o que é necessário, não entregando-se ao luxo ou aos excessos. Coma o necessário, beba apenas o necessário. Toda pompa e suntuosidade são apenas combustíveis para a vaidade.

Para Sêneca a riqueza deve ser buscada em nós e não em fortunas.

Mesmo em despesas com boas finalidade como a literatura, o limite ponderado deve ser observado.


Capítulo X ao XI – As Correntes dos Bens e a Morte


Nesta seção, Sêneca aplica diversas premissas do estoicismo ainda no âmbito dos bens materiais. De certo modo, todos estamos atados a certas naturezas de vicissitudes como riquezas, honra e afins; mesmo aqueles que possuem uma vida difícil, o hábito torna o “peso” de tal vida mais leve ao longo do tempo, de modo que é possível ver lazer e diversão em qualquer estilo de vida. 


Para Sêneca, é necessário a consciência desta “atadura” que nos prende a tais vicissitudes, de forma que enxerguemos que, na realidade, todos somos escravos em alguma medida. Desta consciência, podemos afrouxar as “ataduras” quando muito apertadas, e apertá-las quando demasiadamente frouxas estiverem; nem se apagar exageradamente a tais questões, e nem tão pouco desprezá-las quando contiverem louvor, aplicando o exercício da razão.


Na última metade desta seção, Sêneca se dedica ao tema da morte e à ansiedade decorrente desta sentença. Para o Estóico, é impossível viver bem sem a consciência de nossa mortalidade. Tudo antever, como se quaisquer hipóteses fossem possíveis de acontecer em nossa vida, para o filósofo, é a força motora para o bem viver. Aqueles que vivem somente esperando da vida alegrias mil, estarão em cada dilema, frustrados com sua própria condição. 


Viverá mal todo aquele que não souber morrer bem”.

Capítulo XII ao XIV – Ações Sem Propósitos


Jamais empreender ações sem propósitos, sobretudo diante da busca por riquezas, ou ainda, cobiçar além do que nos é dado, é o que Sêneca continua a argumentar como remédio para titubear diante do luxo.


Ele ainda alerta sobre o perigo na execução de tarefas múltiplas, porém irrefletidas e desnecessárias, e da agitação oriundas dessas, matéria em que a esfera pública é especialmente propensa.


O vício que Sêneca pontua aqui é o de buscar informações e ocupações aos montes, além de verificar numerosos fatos irrelevantes, quando nada disto é necessário. Essas definições parecem se assemelhar ao conceito moderno de entretenimento.


Deve-se propor fazer aquilo que é necessário, ainda que, estes sim, sejam inumeráveis, e considerar as eventualidades que podem nos impedir de executar tal e tal tarefa; exatamente o exercício mental de tudo antever postulado nos capítulos anteriores. Tal fato se aplica em não nos apegarmos demais a projetos futuros, de sorte que, assaltados por intempéries, tenhamos a resiliência da adaptação que despreza as frustrações.


Ele ainda ratifica o dever de interpretar os fatos positivamente ao citar Zenão, que após perder todos os seus bens, se viu apenas mais livre para filosofar.


Capítulo XV a XVII – Relacionamentos e a Vida de Aparências


Nesta seção derradeira, Sêneca trata dos relacionamentos, e como é imprescindível o otimismo e a benevolência em face das atitudes alheias que nos cercam, desprezando o importunamento inerente a tais atitudes. 


“É mais humano rir-se da vida do que deplorá-la”.

O filósofo ainda comenta a atitude requerida em face das injustiças, como a morte de bons homens ou inocentes; fato não tão raro em sua época. Como exemplos notórios desta ordem, entre outros, Sêneca cita Sócrates, Cícero e Catão.


Ademais, Sêneca ainda menciona quão dolorosa é a vida de aparências movidas por vaidade, e quão grande deleite há na simplicidade.


Por último, o Estóico menciona a sabedoria necessária para alternar entre atividades diárias e o recolhimento. Reflete também sobre o papel do descanso e do lazer para o cultivo da tranquilitas, citando outros exemplos de homens que foram notórios em seus empreendimentos, todavia, cada qual tinha em conta seu respectivo descanso e lazer.


Informações Importantes para ler Sobre a Tranquilidade da Alma


Conforme observado, o diálogo está centrado sobre duas grandes estruturas: O problema de Sereno e sua instabilidade e o tratamento que o Estóico oferece.


Sêneca oferece fileiras de conselhos baseados no pensamento estóico, em grande medida postuladas por Zenão de Cítio, qual ele menciona lá pelas tantas do capítulo XIV.


O comedimento em relação aos prazeres e as aflições é um dos motes principais e condição básica para alcançar o ideal de tranquilidade que os estóicos pregavam – a ataraxia.


Sêneca, comenta os três dilemas de Sereno na obra basicamente desta forma:


1. Primeiramente, tenta descrever quais as condições destas flutuações que Sereno padece, definindo-as no capítulo II;


2. Após este capítulo, Sêneca aborda, majoritariamente, a primeira questão e a segunda – dilemas sobre o ócio e as riquezas – nos capítulos subsequentes. Ao dilema sobre o “Ócio ou Negócio”, ele dedica os capítulos III e IV. 


3. Sobre o dilema acerca das riquezas, praticamente podemos ver o tema em todos os capítulos vindouros, embora mais especificamente seja tratado nos capítulos de VIII a XI.


4. De XII a XVII, ele retoma o assunto da esfera pública e o ócio, além do epílogo. 

O terceiro dilema de Sereno sobre a estética da escrita é respondido pelo espírito geral da obra e argumentação do Estóico.


Não raro, Sêneca adverte sobre temas que parecem exceder as indagações de Sereno, contudo podem ser entendidos como causas do efeito da intranquilidade de seu interlocutor.


A tranquilidade e o balizamento da instabilidade, são os temas recorrentes em todos os capítulos, aos quais Sêneca trabalha de forma transversal; alterna entre os dilemas ou trata-os de modo conjunto, quando de algum modo se tocam.


No limite, o cerne da questão que Sêneca trabalha é o de não permitir que seu interlocutor seja seduzido por quaisquer natureza de dilemas da vida, sejam elas riquezas ou vida pública. Para tal, o comedimento é o remédio necessário para o não exaltar-se, nem o depreciar-se, de tal forma que pelo o hábito – considerando esta definição também como a própria virtude, dentro do Mundo Clássico – o indivíduo adquira a estabilidade que busca diante de cada um dos dilemas que se apresentam, ao passo que a tal tranquilitas se torna o próprio estilo de vida do sujeito.

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