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Sócrates e a Consciência Individual

Foto do escritor: Davi SilvaDavi Silva

Atualizado: 19 de out. de 2024

Sócrates e a Consciência Individual

 

Sócrates e a consciência individual


Dentre os vários temas desenvolvidos por Sócrates, muitos são novidades para a época, dentre eles, com certeza um dos mais importantes e influentes foi a concepção de consciência individual. Em uma sociedade como a grega, em que, por mais que pareça estranho a nós, o indivíduo não se enxergava fora da Pólis, a sua consciência era vinculada a sua civilização, algo que, após o advento de Sócrates passou a ser modificado. Essa grande contribuição socrática transformou de tal forma o Ocidente que hoje não conseguimos conceber uma percepção diferente, como era na Grécia Clássica. 


Para compreender melhor essa realidade, é preciso adentrar no modo como o grego se enxergava dentro da sua sociedade, sua Pólis. Qual distinção ele fazia de si como indivíduo privado e como indivíduo público, ou seja, cidadão. Posteriormente, é necessário entender a contribuição de Sócrates, o que ele mudou nessa concepção e como ele fez isso, para enfim ser possível compreender que mudanças essa concepção trouxe, tanto para a sociedade grega de sua época como para o Ocidente de modo geral.


O indivíduo grego como cidadão


Inicialmente, é preciso adentrar no mundo grego da época para compreender a concepção de Pólis e de cidadão. As Hélades gregas eram cidades-estado que tinham em suas mãos a administração independente da cidade. Portanto, os próprios cidadãos eram responsáveis diretamente pelo andamento da Pólis, desde construção de leis, servir ao exército, condenações judiciais e tudo o que envolvia o Estado. 


Por conta disso, o grego tinha íntima relação com o Estado e compreendia a sua importância na administração pública, por isso se envolvia com a política de modo natural e contundente, pois nesse caso, a prosperidade da cidade era também a sua. Como a política era muito valorizada, em algumas cidades gregas desenvolveu-se um protótipo de democracia, onde o cidadão era quem conduzia os rumos da Pólis. Obviamente ainda de modo rudimentar, além de não ser como a democracia moderna, mas o cidadão grego tinha influência direta sobre o rumo da cidade. 


Essa influência causava uma percepção de coletividade muito mais profunda do que temos hoje, para um cidadão grego, por exemplo, a religião era a do Estado, não se podia inserir novas divindades (uma das acusações imputadas a Sócrates em sua condenação à morte), as decisões políticas eram coletivas, a defesa da cidade era responsabilidade individual, o imaginário social era construído coletivamente, inicialmente através das poesias de Hesíodo e Homero e posteriormente com o teatro grego. 


Todos esses aspectos geravam uma “alma coletiva” um “consciência comunitária”, o cidadão pensava em termos sociais e nunca individuais ou privados. Até esse momento, outros falaram de alma (psyché), mas nunca com a concepção que temos hoje, como consciência individual, mas sim como a unidade do corpo e mente, ou como “fantasma” em Homero, ou ainda como inteligência nos filósofos naturalistas… Mas o conceito fundado por Sócrates de consciência individual é completamente novo.


A Consciência individual em Sócrates


O tema da consciência individual em Sócrates parte da concepção do filósofo da Psyché, ou alma, que é central na sua filosofia. Para o filósofo, a psyqué é o eu consciente, é a personalidade intelectual e moral, ou seja, é a essência do homem, é o que o distingue de todas as outras coisas. Como vimos, antes dele nunca houve esse tipo de concepção, e posterior a ele, inclusive com o advento de sua morte como o preço pago pela possibilidade de consciência individual, esse conceito se tornou comum e não apenas isso, hoje já é tão intrínseco a nós que mal conseguimos imaginar uma realidade sem uma consciência individual nesses moldes. 


Como se sabe amplamente, a morte de Sócrates foi um ato político, os argumentos são variados, desde seus alunos fazerem parte de momentos tirânicos da cidade de Atenas até a fuga de Platão após a sua condenação por medo de ser o próximo a ser levado a julgamento. Diante disso, é importante buscar entender o que Sócrates fez para provocar um incômodo tão profundo na sociedade ateniense ao ponto de condenarem um veterano de guerra, sem posses ou bens, já idoso, à morte. 


Em sua concepção de psyché, Sócrates defendia, como já vimos, que ela era a essência do homem, o eu consciente, a personalidade intelectual e moral. Diante da essência do homem foi possível compreender corretamente a sua areté (virtude, excelência, o fim último do homem), que para Sócrates era tornar a alma (psyqué) ótima, o que por consequência resultaria na felicidade, que nada mais é do que a plena realização da sua essência, aquilo que foi criado para fazer. 


Diante disso, o grande estudioso Giovanni Reale conclui:


“Se o homem distingue-se pela sua alma, e se a alma é o eu consciente e inteligente, então a areté, ou seja, aquilo que atualiza plenamente essa consciência e inteligência, não pode ser senão a ciência e o conhecimento. O valor supremo para os homens é, portanto, o conhecimento.”

Portanto, pode-se observar que Sócrates personificou esse conflito em si, entre a sua consciência individual e a consciência coletiva de Atenas, levando isso ao clímax com sua condenação à morte. E isso deixou um legado que penetrou de tal modo na mente ocidental que é algo natural para o homem moderno (claro que posteriormente essa concepção obteve grandes avanços com o advento do cristianismo).


Consequências da concepção de consciência individual


Agora, com o homem grego se enxergando como indivíduo, passou a ser possível pensar individualmente, e não apenas isso, a se posicionar individualmente, inclusive contra o próprio Estado. A religião foi uma das primeiras atingidas, ela que passou dos poemas épicos para o teatro grego, foi perdendo status com Sócrates, Platão e Aristóteles (e obviamente que os diversos outros pensadores da época). Mas as consequências não se restringiram ao mundo grego, muito pelo contrário.


O mundo Ocidental absorveu de tal forma esse conceito que ele se tornou naturalmente regra para a consciência humana. O que resultou na possibilidade de diversos desenvolvimentos sociológicos, científicos e políticos. Além disso, para a filosofia ele proporcionou uma revolução no aspecto moral, com o desdobramentos de mais conceitos, entre eles o autodomínio (enkráteia) e de liberdade interior (eleuthería).


Primeiramente, o autodomínio nos estados de dor e prazer é a capacidade de controlar impulsos e paixões, ou seja, um domínio sobre a própria animalidade. A enkráteia resulta em fazer a psyché (alma) senhora do corpo, a razão controlar os instintos. O contrário, seria ser controlado pelas paixões e instintos, características da animalidade selvagem. Portanto, a capacidade de se autodomínar é a base da areté (virtude). 


Concomitante a isso, relacionada com a enkráteia, Sócrates propôs o conceito de Eleuthería (liberdade individual), que para o filósofo é apenas a liberdade individual verdadeira pode possibilitar o autodomínio e com isso alcançar a areté. Portanto, a liberdade não é livre-arbítrio, mas sim a capacidade da razão de impor-se à animalidade humana. 


Esses conceitos deram os eixos de suporte para a construção da ética socrática e consequentemente para o desenvolvimento da moral do ocidente, que está enraizada nas mentes do homem ocidental mas que teve seu nascimento com a morte de um bode expiatório.


Conheça as obras:




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