A Imaginação Educada

A Imaginação Educada

A Imaginação Educada

Introdução

A educação da imaginação tem se tornado tema recorrente nos últimos anos. Dentre as várias motivações, a incapacidade imaginativa-simbólica da sociedade contemporânea é uma das mais relevantes. O homem moderno, muito em decorrência do nominalismo, enxerga uma realidade apenas material, pragmática, não possui mais a capacidade de compreender o que pode significar um símbolo, ou como uma história pode representar uma virtude e como isso resulta na elevação do indivíduo. 

O resultado dessa falta de uma imaginação educada impede o homem de conhecer com profundidade a si mesmo, a natureza humana e o próprio mundo em que vive. Como exemplo, o homem atual não é capaz de ver a profundidade das grandes obras clássicas, desde Homero, Virgílio, Dante, mas também, nem mesmo dos autores modernos como C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien. Diante disso, o texto de autoria de Northrop Frye apresenta diversos aparatos e ferramentas para a educação do imaginário, tema que pretendemos explorar nesse texto. 

a imaginação educada - northrop frye - academuslab
Livro A Imaginação Educada - Northrop Frye. Direitos da foto: Academuslab.

Sobre o Autor

Herman Northrop Frye (14 de julho de 1912 – 23 de janeiro de 1991) foi um dos mais importantes críticos literários do Século XX, entre suas principais obras estão: Anatomia da Crítica, O código dos Códigos e Imaginação Educada. Frye foi importante em apresentar uma teoria de unificação da literatura em uma metanarrativa única, em que a Bíblia, vista simbolicamente, é a base interpretativa da essência de toda literatura ocidental. 

Sobre a Obra

Frye constrói seu argumento baseado na teoria de que a literatura possui uma metanarrativa comum, que usa como base a mesma forma (às vezes os mesmos personagens) e que pode ser resumida na ideia de perda e reconquista da identidade, onde se encaixa a jornada do herói, por exemplo. Dentro disso, apresenta uma sequência de estudo literário que construirá o arcabouço de compreensão da literatura.  

 

Caminho para a educação do imaginário

Sem a pretensão de adentrar nos pormenores da obra, mas apenas ater-se no caminho apresentado pelo autor para o estudo da literatura, com o objetivo de construir/educar o imaginário, o que é fundamental para ler e entender o mundo ao nosso redor. Mas para compreender essa trilha, é fundamental ter em mente o arcabouço em que o autor baseia sua fundamentação, apresentada superficialmente acima. 

A literatura trata de temas universais, não de particulares. Ela tem o poder de síntese da natureza das coisas, principalmente da natureza humana. Para exemplificar isso, utiliza-se de símbolos que representam imagens, ou seja, uma linguagem poética. Por isso, ela não pode ser lida de maneira “literal”, ela não busca trazer lições diretas para o ser humano, por mais que acabe fazendo, mas suas lições buscam ampliar a possibilidade de experiência da natureza humana, produzindo com isso um refinamento da sensibilidade. 

Tendo em mente o objetivo da literatura, como ela constrói seu objetivo imaginativo e principalmente, que ela possui uma metanarrativa comum, se torna interessante olhar para essa metanarrativa como uma grande conversa entre os grandes poetas da humanidade. E como em uma conversa, os assuntos devem ser comuns, a língua deve ser comum, os símbolos devem ser compreendidos por todos, os personagens a que se referem dever ser do conhecimento de todos, os lugares e tudo o mais. Nessa perspectiva, para podermos fazer parte dessa mesa de conversa, faz-se necessário saber o assunto da conversa, conhecer os personagens, os lugares, os temas recorrentes. Só assim conseguiremos entender a conversa, e quem sabe, opinar sobre, ou ainda, dar prosseguimento a ela. 

Para nos sentarmos à mesa, Frye apresenta um caminho seguro de assimilação dessa longa e antiga tradição, a começar pela Bíblia, a mitologia Clássica, o Teatro e os Romances.

 

O Código dos Códigos

Frye possui uma obra densa que fundamenta a sua apresentação da Bíblia como a base de qualquer educação do imaginário. O autor reforça que está apresentando tal fundamento como crítico literário e não como religioso. No entanto, não é difícil compreender a importância dada à Bíblia como sendo a principal e mais importante ferramenta de construção do imaginário. Obra que praticamente fundou, e mantém de pé, o Ocidente, a Bíblia é a estrutura básica de toda a literatura. 

Como já mencionado, o autor defende a existência de uma metanarrativa unificadora em toda a literatura. Essa narrativa tem seu início na Bíblia, nela é possível encontrar a mais completa análise da natureza humana, algo que irá desembocar nos maiores autores posteriormente. A jornada do herói é constantemente repetida, sendo apresentada de diversas maneiras. A simbologia acompanha todos os livros, histórias e personagens, desde Adão, Israel, Moisés até Jesus. 

Além disso, pouquíssimos grandes autores ocidentais, para não dizer nenhum, não usam como base alguma analogia com a Bíblia. Sejam personagens, histórias, lugares, ou qualquer outra conexão simbólica. Ela é referência para toda tradição literária Ocidental, o que nos impele a dizer que um leitor sem uma boa experiência de leitura e interpretação da Bíblia, terá pouquíssima chance de compreender os grandes autores da nossa tradição.

 

A Mitologia Clássica

A segunda camada em nível de importância é a Mitologia Clássica. Para a educação do imaginário, considerando-a como uma grande conversa, é fundamental conhecer os personagens em que as histórias se comunicam. Diante disso, a mitologia é essencial para apresentar, de modo mais simplista do que a Bíblia, praticamente toda a coletânea de personagens e histórias utilizadas na literatura tradicional. 

A mitologia nos dá toda a moldura imaginativa para interpretação literária. Nela, a jornada do herói é mais clara e visível, seus objetivos e morais formaram a base da Paideia grega, ou seja, a moral ocidental é construída baseada nessas histórias. O simbolismo é mais observável, recorrente e perceptível, de mais fácil interpretação, muita das vezes, do que na Bíblia. 

As semelhanças entre as lendas bíblicas e as mitológicas não devem ser ignoradas, como um exemplo apenas, o modo como Hesíodo narra a formação do Cosmos em sua Teogonia, “No princípio era o Caos” é exatamente igual à Moisés apresentando no Gênesis que no princípio, “a terra era sem forma e vazia”. Paralelos como esses são encontrados inúmeras vezes, algo que não poderia ser diferente. Novamente, se um leitor quiser participar da grande conversação, precisará adentrar no universo dos mitos clássicos.

 

O Teatro, o Romance e a Ironia

Dando seguimento, duas grandes formas literárias responsáveis por uma imaginação educada são a Comédia e o Romance. O romance se desenvolve a partir das aventuras do herói, personagem esse que o leitor já conheceu na mitologia. A comédia, gênero baseado no teatro, se fundamenta em uma parcela da vida do herói, na maioria das vezes, em seu casamento, seja concreto ou simbólico. 

É possível observar a relação de ambas quando, ao ler uma comédia de Shakespeare, automaticamente a relaciona com o roteiro de um filme da “sessão da tarde”. Isso é perceptível pois ambas as estruturas gerais dessas formas literárias se aproximam muito, além de que, a essa altura, o leitor já possui o arcabouço da estrutura geral das histórias literárias, algo que não varia em grande grau. No entanto, claramente essa semelhança não nos possibilita realizar um julgamento comparativo entre ambos.

Posteriormente, os correspondentes opostos às duas formas supramencionadas são a Tragédia e a Ironia. Ambos serão mais profundos em sua carga simbólica, tratando de assuntos mais complexos e profundos e, na maioria das vezes, com um linguajar mais rebuscado. No entanto, não fugirá do que já mencionamos, a base dos personagens, história de heróis, lugares, e todo o mais, foi já retirado dos “níveis” anteriores.

 

Outros conselhos

No ínterim desse caminho sugerido, o autor ainda relembra importantes ferramentas de ampliação do repertório imaginativo a fim de substanciar a educação do imaginário. Dentre elas, ele pontua a importância de um outro idioma, pois somente uma nova língua possibilita o pensamento/imaginação em estruturas diferentes, ampliando, com isso, o repertório de possibilidades imaginativas do indivíduo. 

Concomitantemente a isso, ouvir e escrever histórias é uma excelente maneira de desenvolver a educação imaginativa, pois, a escrita, por exemplo, possibilita a estruturação mental da forma geral da literatura, pois a contação de história segue, em sua maioria das vezes, uma forma pré-estabelecida e o contato contínuo com a construção, baseada nessa estrutura, produzirá substrato para a percepção dessa forma em outras histórias. Também, o fato de ouvir histórias se apresenta como um treinamento da sensibilidade e produção imaginativa pessoal, incentivando a ampliação do universo imaginativo do indivíduo, mas principalmente da criança.

 

Conclusão

Portanto, fica evidente que para participar da grande conversação, é necessário um grande repertório literário, o qual apresentamos nesse texto uma possibilidade de caminho para sua assimilação. Caminho esse que se inicia impreterivelmente pela Bíblia, que dará toda a base da literatura ocidental, posteriormente pela mitologia, que apresentará ao leitor os personagens, enredos e histórias comuns à literatura, em seguida, o estudo das formas gerais, em que buscam desvendar o gênero humano e as leis gerais que regem o cosmos, com a comédia e o romance, e posteriormente a tragédia e a ironia. 

Conheça as obras:

Comments are closed.